Não estariam as instruções de Moisés em Deuteronômio 24.1-4, a respeito do divórcio, em contradição com o ensino de Jesus (Mc 10.2-12) e de Paulo (1 Co 7.10-16)


Na verdade, Deuteronômio 24.1-4 não lança nenhuma aprovação ou bênção divina sobre o divórcio. Essa passagem simplesmente reconhece que esse ato era praticado na sociedade israelita e procura minimizar a dureza e a injustiça praticadas contra as mulheres quando os maridos, desgostosos com suas esposas, por essa ou aquela razão, decidiam mandá-las embora, de volta a seus pais. Assim diz o versículo 1: “Se um homem casar-se com uma mulher e depois não a quiser mais por encontrar nela algo que ele reprova, dará certidão de divórcio à mulher e a mandará embora”. A nasb apresenta a seguinte tradução: “Quando um homem toma uma esposa [...] e acontece de ela não encontrar favor em seus olhos, por causa de alguma indecência que ele encontrou nela, e ele lhe escrever [weḵāṯaḇ lāh] um certificado de divórcio, e colocá-lo nas mãos dela e enviá-la fora de sua casa…”, fazendo com que a sentença prossiga pelos versículos 2 a 4, em vez de parar no fim do versículo 1.

Seja qual for o modo em que o versículo foi traduzido e construído, fica claro que o marido deve colocar um certificado de divórcio nas mãos da esposa antes de despedi-la. Isso exerce o efeito de fazer com que ele abra mão de todos os direitos ao dote que ela levou para o casamento. De outra forma, o marido poderia de má-fé apropriar-se dele como se fora sua propriedade, alegando com falsidade que a esposa voluntariamente o abandonou, numa visita indefinida e longa à casa dos pais, e que, se ela não houvesse agido assim, não teria havido divórcio.
Quando essa passagem foi mencionada a Jesus, em Marcos 10.2-12 (e na passagem paralela de Mt 19.1-9), o Senhor explicou aos fariseus que o interrogavam: “Moisés permitiu que vocês se divorciassem de suas mulheres por causa da dureza de coração de vocês”. A seguir, Cristo mencionou Gênesis 2.24, fazendo este comentário final: “Os dois se tornarão uma só carne’ [...] Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe” (v. 5, 6). Em seguida, o Senhor especificou (segundo o relato mais completo de Mateus): “Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério” (Mt 19.9). Em outras palavras, nunca foi intenção nem desejo de Deus que houvesse divórcio depois de um casamento verdadeiro, legal — a menos que a união fosse violentada por um episódio de adultério. Portanto, a prática pré-cristã do divórcio situava-se naquela classe de ofensas que foram toleradas durante algum tempo, por causa da “dureza do coração de vocês”. Entretanto, o divórcio seria proscrito, ao lado da poligamia e da escravidão, pelos súditos do Reino de Deus. Sob a nova aliança, essas concessões ao egoísmo e à falta de amor seriam abolidas; o verdadeiro e original propósito de Deus era que o Senhor fosse exaltado no viver santo dos crentes, que olhariam para Cristo como seu modelo.
Está bem definido que o que Deuteronômio 24 permitia não é mais permitido no nt. A provisão de Deuteronômio deve ser reconhecida como medida provisória, não correspondendo, na verdade, ao ideal nem ao propósito de Deus para o casamento. Deuteronômio 24 estaria destinado a ser ab-rogado na nova aliança introduzida pelo Messias, Jesus Cristo.
Quanto a 1 Coríntios 7.10-16, fica fora de qualquer dúvida que essa passagem de modo algum justifica o divórcio. Veja o artigo em que ela é discutida, sob o título: “Será que 1 Coríntios 7.10-16 autoriza o divórcio quando há deserção da parte de um dos cônjuges?”

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