Livro de Lamentações


I. Caracterização Geral
Este livro faz parte da terceira divisão do cânon do Antigo Testamento hebraico, que os judeus chama­vam de «escritos» ou «rolos». O livro de Lamentações consiste em cinco poemas que correspondem ao que, modernamente, chamamos de «capítulos». Esses poemas foram escritos segundo a métrica kina, ou de lamentação. Provavelmente, esse livro foi escrito no século V A.C., provocado pela grande calamidade que se abateu sobre Jerusalém, com o consequente cativeiro babilónico. Esses poemas foram escritos na própria cidade de Jerusalém, ou, então, já na Babilônia. Os primeiros quatro poemas são acrósticos alfabéticos, oque significa que cada grupo de versículos começa por uma diferente letra do alfabeto hebraico, que consistia em vinte e duas letras. A quinta estância tem o mesmo número de versículos que o alfabeto hebraico. Todos esses poemas foram compostos ou adaptados para a recitação pública em dias de jejum e lamentação (ver Jer. 2:15-17; Sof. 7:2,3), notavelmente no nono dia de Abe (agosto), que comemorava, especificamente, o desastre babilónico. O primeiro, o segundo e o quarto poemas foram compostos como lamentações fúnebres. Jerusalém é apresentada como o falecido. O terceiro poema foi composto no estilo de uma lamentação individual, com a característica usual de que uma figura masculina (e não feminina) é que personifica o povo ou a própria cidade. O quinto poema consiste em uma lamentação coletiva. Esse poema faz lembrar as liturgias usadas em tempos de tristeza nacional, conforme se vê nos Salmos 74 e 79. O tema comum de todos esses cinco poemas é a agonia da nação judaica e o aparente abandono de Sião por parte de seu Deus, bem como a esperança de que Deus ainda haveria de restaurar uma nação humilhada e arrependida.
Antigas tradições têm atribuído esse livro ao profeta Jeremias, porém, muitos eruditos modernos encontram razões para duvidar dessa opinião. O próprio livro é anônimo, pelo que aquilo que cremos sobre sua autoria depende de nossa confiança ou desconfiança nessa tradição, bem como de outras evidências que pesam sobre a questão. Ver a terceira seção quanto à discussão a respeito.
II. Nome do livro
No hebraico, esse livro chama-se ekah, «como», a primeira palavra do livro, no original hebraico. Mas também tinha o título de qinah, «lamentação». Naturalmente, isso alude ao caráter de deploração do livro inteiro. Conforme disse certo autor: «…cada letra foi escrita com uma lágrima; cada palavra com o pulsar de um coração partido». O título do livro, na Septuaginta, é «Cânticos Fúnebres». O título do livro nas modernas línguas européias—como em português—vem da Vulgata Latina, com base no vocábulo latino lamentum, «clamor», «choro», «lamentação». Na Vulgata Latina o título especifico é Lamentationes.
III. Autoria e Data
A tradição que atribui o livro de Lamentações a Jeremias é antiquíssima. O trecho de II Crô. 35:25, embora não aluda às lamentações que compõem esse livro, mostra-nos que Jeremias compôs esse tipo de material literário. Alguns eruditos percebem a dicção de Jeremias nesse livro, mas outros pensam que o estilo é bastante parecido com o dos capítulos quarenta a sessenta e seis do livro de Isaias, o que já aponta para um outro autor. O trecho de Lam. 3:48-51 parece similar às expressões de Jer. 7:16; 11:14; 14:11-17 e 15:11. Alguns sentem o espírito de Jeremias no livro, o mesmo temperamento sensível, uma profunda simpatia para com as tristezas de Israel, e as mesmas emoções soltas a respeito do desastre provocado pela invasão dos babilônios.
Contra a autoria de Jeremias, temos os seguintes argumentos:
1.    Os paralelos alistados acima, entre Lam. 3:48-51 e certos trechos do livro de Jeremias, certamente indicam uma narrativa feita por uma testemunha ocular daquilo que os babilônios fizeram contra o povo de Israel. Contudo, essa testemunha ocular não precisa ser identificada obrigatoriamente com Jere­mias, porquanto o autor do livro pode ter sido outra testemunha ocular daqueles fatos.
2.    O quinto poema reflete uma espécie de lassitude induzida por anos de ocupação estrangeira, o que é contrário àquilo que sabemos sobre a história envolvida. Jeremias permaneceu apenas algumas poucas semanas na Palestina, após a captura de Jerusalém.
3.   O argumento literário. Os extensos escritos de Jeremias (no livro que sabemos ser de sua autoria), não apelaram para a poesia, e muito menos para a forma específica de poemas acrósticos.
4.   O argumento histórico. Em tempos posteriores, muitos oráculos foram coligidos em nome de Jeremias, quando, como é óbvio, esses escritos não foram de sua autoria. Os poemas do livro de Lamentações poderiam estar entre esses oráculos. Se, realmente, eram de sua lavra, por que motivo Jeremias não os identificou como seus? E por que motivo não foram incluídos como parte de suas profecias? No livro de Jeremias, o autor identificou-se claramente (ver Jer. 1:1).
5.    Diferenças de pontos de vista. As declarações de Lam. 2:9; 4:17e 5:7, de acordo com certos estudiosos, diferem dos pontos de vista da profecia de Jeremias. Porém, muitos outros estudiosos veem nisso mera avaliação subjetiva, e, portanto, sem grande valor.
6.   O argumento linguístico. O estilo, o vocabulário e a dicção dos livros de Jeremias e de Lamentações são por demais diferentes para que se suponha que um mesmo autor tenha escrito ambas essas obras. Contra esse argumento, alegam outros que a poesia, naturalmente, difere da prosa em que são escritos os oráculos e as advertências proféticas. Todavia, grandes trechos do livro de Jeremias consistem em poemas, embora nossa versão portuguesa oculte isso, imprimindo o livro como se tudo fosse prosa. Mas, ver por exemplo, a Revised Standard Version. Muitos escritores em prosa, ocasionalmente, escrevem em poesia, o que requer um estilo, uma dicção e um vocabulário diferentes.
Conclusão. Não há como se fazer uma declaração firme sobre a questão. O livro de Lamentações não indica quem foi o seu autor—a obra é anônima.
Data:
No livro não há qualquer menção & reconstrução do templo de Jerusalém, que teve lugar em 538 A.C. Porém, o livro foi escrito, sem a menor sombra de dúvida, por uma testemunha ocular da invasão de Jerusalém pelos babilônios e do subsequente exílio de Judá. Por conseguinte, o livro deve ter sido escrito em algum tempo depois de 586 A.C., mas antes de 538 A.C.
IV. Propósitos e Teologia do livro
1.  A Justiça de Deus é Celebrada e os Efeitos Ruinosos do Pecado são Lamentados. Um homem espiritual contemplou o que acontecera a um povo rebelde, que quisera dar ouvidos as advertências do Senhor, e que, por isso recebeu tão grande castigo nacional. Tudo aquilo ocorrera por motivo de desobediência e de insensibilidade espiritual. A calamidade foi tão grande que fez uma nação chegar ao seu fim. O santuário, ”que fora estabelecido em honra a Yahweh, bem como a teocracia (embora muito modificada pela monarquia) foi aniquilada pelos pagãos. O poeta, pois, celebrou a retidão e a justiça de Deus, porquanto, afinal, o que acontecera era apenas justo. A nação de Judá foi convocada ao arrependimento, visto que o mesmo poder que produziu a destruição, com a igual facilidade poderia produzir a restauração. A profunda iniquidade da nação de Judá é lamentada no livro; mas reconhece-se também que a graça de Deus é suficientemente ampla para reverter qualquer situação, e o autor sagrado contemplava, ansioso, essa possibilidade bendita. Em suma, o propósito do livro é o de celebrar a justiça de Deus, lamentar pela iniqüidade do povo de Judá e suas horrendas consequências, e, então, conclamar ao arrependimento, em face da possibilidade de restau­ração.
2.    Aplicação Cristológica. Alguns intérpretes evangélicos veem no livro de Lamentações um lamento pela alma de Jesus, em face da ira de Deus que sobre ele se descarregou, quando levou, sobre si o pecado do mundo.
3.    A Trágica Reversão. Havia em Israel uma tradição que falava sobre, a suposta inviolabilidade de Sião(Sal. 46:6-8; 48:2-9; 76:2-7), o que aparece como uma idéia com a qual o autor do livro de Lamentações estava familiarizado (Lam. 3:34 e 5:9). Entretanto, o autor sagrado mostrou que nenhuma coisa boa perdura necessariamente para sempre. Reversões trágicas podem destruir até mesmo as coisas melhores e mais excelentes, se permitirmos que o pecado venha maculá-las.
4.   Confirmação do Ponto de Vista Deuteronômico da História. O autor de Deuteronomio sustenta, como uma de suas teses primárias, que Israel ia bem enquanto obedecia a Deus, mas cala em ruina quando se mostrava rebelde. Embora, por certo, essa seja uma perspectiva simplista da história, não é um fator que deva ser ignorado. Esse tema também pode ser encontrado em outros livros do Antigo Testamento, além doDeuteronomio, e o livro de Lamentações é um daqueles livros que promove essa tese.
5.   A Esperança Nunca Morre no Coração Humano. Grandes tragédias sobrevêm as pessoas insensatas. Mas aquelas mesmas pessoas, se agirem sabiamente, poderão contemplar a concretização de suas esperan­ças de melhoria, quando seu triste estado é revertido pela misericórdia divina.
V.  Estilo literário
Esse estilo é descrito na primeira seção, Caracteri­zação Geral.
VI. Conteúdo
1.       As Lamentáveis Condições de Jerusalém (cap. 1)
2.       A Manifestação da Ira de Deus (cap. 2)
3.       Reconhecimento da Justiça de Deus (cap. 3)
4.       Reconhecimento da Fidelidade de Deus (cap. 4)
5.       Confiança na Fidelidade de Deus (cap. 5).

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