Deuteronômio é o último livro do Pentateuco, completando assim os cinco primeiros livros da Bíblia tradicionalmente atribuídos a Moisés. Seu nome foi obtido da LXX através de uma tradução inacurada do verso17:18, o qual corretamente traduzido daria, «Esta é a cópia (ou repetição) da lei». A palavra «Deuteronômio» é a forma portuguesa da palavra grega «segunda lei». £ evidente que o livro não é uma segunda lei distinta da lei dada no Sinai, todavia, esse titulo não é totalmente inapropriado, pois o livro inclui, entre outros assuntos, uma repetição ou reformulação de grande parte das leis. O nome hebraico do livro é ‘Elleh haddevarim,«Estas são as palavras» ou simplesmente Devarim, «Palavras». A tradição judaica intitula o livro de Deuteronômio de Mishneh Torah, que significa repetição ou «cópia da lei» (Deut. 17:18).
Esboço:
I. Composição
II. Conteúdo e Propósito
III. Esboço
IV. Seção Legal
V. A Importância do Livro
VI. Bibliografia
I. Composição
1. Autoria. Há mais polêmica em relação à autoria e à data de Deuteronômio do que em relação a qualquer outro livro do Pentateuco. A maior variedade de opinião encontra-se especialmente entre os que se opõem à autoria mosaica.
a. Ponto de vista conservativo. — Os que apóiam o ponto de vista conservativo da autoria mosaica de Deuteronômio baseiam-se em declarações bíblicas e na tradição judaica-cristã que estava em pleno acordo concernente à autoria desse livro até antes do advento do criticismo. Os argumentos mais fortes em favor da autoria mosaica do livro são as reivindicações do próprio livro, a saber: Deut. 31:8-13 e 31:24,26. O vars. 31:9 diz: «Esta lei escreveu-a Moisés e a deu aos sacerdotes…», e 31:24 diz: «Tendo Moisés acabado de escrever integralmente as palavras desta lei num livro…». Os escritores do NT atribuíam a autoria do Pentateuco a Moisés, e o vers. 19:8 de Mateus indica a posição de Cristo em relação especificamente ao livro de Deuteronômio. Para os que acreditam na plena inspiração das Escrituras, estes vers. são evidências enfáticas da autoria mosaica de Deuteronômio. Os fatos de que o uso da primeira pessoa predomina e de que Moisés é mencionado por mais de 40 vezes no livro, são também apresentados como provas de que Moisés escreveu Deuteronômio. O relato da morte de Moisés não apresenta problema, pois explica-se que os capítulos 31-34 foram adicionados depois da morte deste. — Alguns afirmam que Moisés escreveu os capítulos que constituem a legislação (12-26) e que os capítulos de 1-12 e de 27-30, embora de sua autoria, foram adicionados posteriormente.
Quanto aos capítulos 31-34, sugere-se Eleazar e Josué como possíveis autores. Ambos foram amigos de Moisés e portanto pessoas apropriadas para fazerem seu panegírico. Josué se tomou o sucessor de Moisés e alguns supõem que o que atualmente é o apêndice de Deuteronomio, foi uma vez o inicio do livro de Josué. Ê particularmente interessante observar que as expressões «Moisés, servo do Senhor» e «Moisés, homem de Deus» não aparecem nos capítulos precedentes nem nos outros livros do Pentateuco. Por outro lado, a expressão «Moisés, servo do Senhor» ocorre várias vezes no livro de Josué, fato que fortalece a probabilidade de que Josué fora o responsável pela composição do apêndice.
b. Ponto de vista critico. Os críticos consideram improvável que Moisés tenha escrito Deuteronômio e mantêm que o livro fora composto por um profeta anônimo que escreveu segundo as noções de Moisés. A despeito de não apoiarem a teoria da autoria mosaica do livro, os críticos declaram que Deuteronômio pode ser qualificado como um livro mosaico, pois toda a lei judia se originou na tradição básica dos tempos em que Moisés era o líder do povo.
Segundo a teoria documentária de Wellhausen, o Código Deuteronômico, ou D, é o documento básico desse livro. O documento D (Deuteronômio 12-26), foi publicado em 621 A.C. quando Hilkiah o encontrou no templo durante o reinado de Josias (2 Reis 22). Acreditava-se que o documento D fora composto no tempo de sua «descoberta» (por Hilkiah) com o fraudulento propósito de promover reformas religiosas. Atualmente esta teoria tem sido abandonada por falta de evidências.
Deuteronômio sumariza, de diversas maneiras, as doutrinas dos grandes profetas do VIII séc. A.C. Eles também pregaram a absoluta soberania de Deus, seu relacionamento especial com Israel, e a consequente condenação da idolatria. De fato, Deuteronômio representa Moisés dando uma nova interpretação da lei (para a vida em Canaã) no momento em que Israel estava fazendo a transição de um estilo de vida nômade para um permanente. Dessa maneira o Código Deuteronômico demonstra a adaptação da velha lei para as condições posteriores de vida.
A forma exata do documento encontrado no tempo do rei Josias tem sido questão de muita polêmica. £ evidente que o atual livro de Deuteronômio é o resultado da compilação de porções independentes. O mistério da questão consiste em descobrir quando essas porções foram compiladas. Considerando que a leitura da Lei atemorizou Josias (II Reis 22:11-13), o documento continha pelo menos algumas maldições como as do presente capitulo 28. £ também importante observar que o documento encontrado compeliu Josias a renovar o pacto entre Jeová e a nação de Israel. Isso indicaria que o documento tinha a forma familiar de um tratado e não era muito diferente do atual livro de Deuteronômio que reflete claramente a estrutura dos antigos tratados ou pactos.
Alguns cri ticos acreditam que Deuteronômio é uma súmula da doutrina preservada da Samaria depois de sua queda em 721 A.C. Mesmo os que defendem Jerusalém como o lugar de origem do livro, mantêm que sua composição se deu no século VIII A.C. E. Robertson, defendendo uma posição mais conservativa, sugere que o livro foi compilado (a partir de material mosaico) por Samuel. Em resumo, a origem e a data de Deuteronômio constituem um dos mais controversiais problemas para os críticos bíblicos. Nada de concreto tem sido concluído a esse respeito até o presente momento.
2. Estrutura. A estrutura básica de Deuteronômio reflete claramente a forma dos antigos tratados ou pactos. O livro (delineado quase exclusivamente na forma de discursos), apresenta primeiramente uma introdução exortatória com alusões históricas, a seguir, as leis e finalmente as bênçãos e maldições condicionadas segundo a obediência das estipulações.
O livro de Deuteronômio é dotado de um vigoroso estilo oratório, mesmo em se tratando da apresentação das leis. Apesar de bastante peculiar, este estilo reflete alguma influência da literatura profética. Tendências retóricas e preocupações com o culto e com a religião interior lembram as pregações dos sacerdotes e levitas.
II. Conteúdo e Propósito
O livro compreende uma série de discursos proferidos por Moisés. O primeiro desses, considerado uma adição secundária ao livro, relata a viagem de Horebe à Terra Prometida e enfatiza a conquista da Transjordânia. O segundo discurso é o mais importante do livro — contém primeiramente uma exortação de como o indivíduo deve entregar-se de todo coração ao Deus do Pacto, e em seguida apresenta as leis desse Pacto. O terceiro discurso consiste de um apelo por fidelidade. O livro termina com um apêndice histórico contendo a narrativa dos últimos atos e palavras de Moisés. (Ver esboço para maiores detalhes).
O propósito de Deuteronômio é persuadir o povo a uma total entrega ao Deus de Israel, o que significa amá-lo de todo coração, de toda alma, e de toda força (6:5). Dessa maneira o livro enfatiza uma total união com Jeová, através da qual o povo deve adorar somente a ele, e de modo apropriado.
III. Esboço
A. Primeiro Discurso de Moisés (1:1-4:43)
1. Sumário da história de Israel no deserto (2:1-3:29)
a. Introdução (1:1-5)
b. O fracasso em Cades (1:6-1:46)
c. A perambulação e os conflitos no deserto (2:1-3:29)
2. Moisés exorta o povo à obediência (4:1-43)
B. Segundo Discurso de Moisés (4:44-26:19)
1. Repetição da lei com advertências e exortações(4:44-11:32)
a. Introdução (4:44-49)
b. Repetição dos Dez Mandamentos (5:1-33)
c. O fim da lei é a obediência (6:1—25)
d. A destruição dos cananeus e de seus idolos é ordenada (7:1-26)
e. Advertências e exortações (8:1-11:32)
2. A legislação que Moisés colocou diante do povo (12:1—26:19)
a. Condições de bênção na terra (12:1—32)
b. Castigo dos falsos profetas e idólatras (13:1-18)
c. Animais limpos e imundos (14:1—29)
d. O ano da remissão (15:1-23)
e. As três festas: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (16:1-17)
f. Deveres dos juizes (16:18-22)
g. Castigo da idolatria, obediência a autoridade, eleição e deveres de um rei (16:1—20)
h. Os sacerdotes, as práticas proibidas, e a promessa de um profeta (18)
i. As cidades de refúgio (19)
j. As leis da guerra (20),
k. Regulamentos gerais (21:1-26:19)
3. Sumário de Profecias sobre a história de Israel e a 2° vinda de Cristo (27:1-28:68)
a. As pedras da lei no monte Ebal (27:1—8)
b. As maldições que serio lançadas no monte Ebal (26:11—26)
c. As bênçãos que serão lançadas no monte Gerizim (28:1—14)
d. Condições que trarão castigo à terra (28:15-68)
C. Terceiro Discurso de Moisés: O pacto palestino (29:1—30:20)
1. Introdução (29:1-29)
2. Declaração do pacto (30:1-10)
3. Advertência final (30:11-20)
D. Apêndice Histórico (31:1—34:12)
1. Últimas palavras de Moisés e nomeação de Josué (31:1—30)
a. últimos conselhos de Moisés aos sacerdotes, levitas e a Josué (31:1-13)
b. Jeová adverte Moisés sobre a apostasia de Israel (31:14—23)
c. Moisés instrui os levitas (31:24—30)
2. último canto de Moisés e sua exortação (32:1-47)
3. Moisés vê a Terra Prometida (32:48-52)
4. Moisés abençoa as tribos (33)
5. A morte e sepultamento de Moisés (34:1—12)
IV. Seção Legal
Os capítulos de 5-11, introduzindo a seção legal, apresentam os Dez Mandamentos, tratando de um modo especial o primeiro mandamento. Os capítulos seguintes expõem as leis que podem ser consideradas nas categorias de cerimonial, civil e criminal. Seguindo estas categorias estão as leis mistas concernentes a família e propriedade.
As leis cerimoniais referem-se a lugar de adoração (12:1-28); idolatria (12:29—13:18; 16:21—17:7); comida pura e impura (14:1—21); dízimos (14:22— 29); remissão (15:1—18); santificação do primogênito (15:19-23); e as festas sagradas (16:1-17).
As leis civis tratam da nomeação dos juízes (16:18-20; 17:8-13); eleição de um rei (17:14-20); regulamentações referentes aos direitos e aos rendimentos dos sacerdotes e levitas (18:1-8); e das regras concernentes aos profetas (18:9-22).
As leis criminais referem-se ao homicida, às cidades de refúgio (19:1-14); falso testemunho (19:15-21); conduta na guerra (20:1-20); expiação por uma morte cujo autor é desconhecido (21:1-9); e aos crimes puníveis por enforcamento (21:22,23).
As leis mistas abrangem uma variedade de assuntos tais como casamento com uma mulher cativa (21:10-14); direito de primogenitura (21:15-17); filhos desobedientes (21:18-21); benevolência para com os animais (22:1-4; 6-8); proibição das várias misturas (22:4,9-11); cordas torcidas nas vestimentas (22:12); punição de impureza (22:13-29); expulsão da congregação (23:1-9); rito de purificação no acampamento militar (23:10-15); escravos fugidos (23:16,17); prostituição, usura e votos (23:18-24); ato de recasar depois do divórcio (24:1-4); isenção do recém-casado de servir na guerra (24:5); penhor (24:6, 10-13,17,18); ladrão (24:7); lepra (24:8,9); salários (24:14,15); pais e filhos (24:16); tratamento dos estranhos, órfãos e viúvas (24:17-22); castigo excessivo (25:1-3); o boi de arado (25:4); levirato(25:5-10); estupro (25:11,12); pesos e medidas (25:13-16); e a destruição de Amaleque (25:17-19). Os capítulos 26 e 27 apresentam uma aplicação didática dessas leis.
Outra classificação das leis contidas nos capítulos 12—26, pode ser feita com base no significado de três palavras – chaves, a saber, juízos, estatutos, e mandamentos. O juízo é definido como uma regra ou lei estipulada por uma autoridade ou estabelecida por costumes antigos, pelo qual o juiz deve se guiar na solução de certos casos (juízos de Êxodo 21). O estatuto é definido como uma regra permanente de conduta que difere do juízo no sentido de que não requer um juiz físico no quadro, mas somente a consciência do indivíduo perante Deus. A distinção entre juízo e estatuto está delineada em I Reis 6:12 onde Salomão é encorajado a andar nos estatutos de Deus, e «executar» os juízos dele. Exemplos típicos de estatutos são as leis referentes às instituições religiosas, festas (Deut. 16:1-17), oferendas, ou leis de justiça, purificação, etc. Em relação à palavra «mandamento», seu significado comum é convenientemente limitado aqui para os propósitos da presente classificação: significa aqui, não uma ordem de obrigação permanente, mas uma que pode ser cumprida de uma vez por todas. (Exemplos: a destruição dos santuários pagãos, a nomeação dos juízes, e o estabelecimento das cidades de refúgio).
V. A Importância do Livro
Os escritos posteriores da história de Israel, do VT e do NT testificam a grande influência que o livro de Deuteronômio exerceu em seus autores. Nos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel, e I e II Reis encontram-se numerosas referências reveladoras do fato de que Deuteronômio era conhecido e observado na época. Entre as muitas referências que ilustram a observância das leis de Deuteronômio encontra-se Josué 8:27 que relata o fato de que quando Ai foi capturada, «Tão-somente os israelitas saquearam para si o gado e os despojos da cidade» (Deut. 20:14). Outro detalhe que indica a observância da lei de Deuteronômio é o fato de que o corpo do rei da cidade de Ai foi retirado da árvore em que havia sido enforcado antes do cair da noite (conf. Josué 8:29; 10:26 e 27 com Deuteronômio 21:23).
Os profetas do VIII século também refletem familiaridade com o livro.
No NT há igualmente algumas citações e várias referências ao livro de Deuteronômio. Em Hebreus 10:28 as palavras de Deuteronômio 17:6 são citadas como «a lei de Moisés». Paulo citou Deut. 27:26 e 21:23 emGál. 3:10,13 adicionando a introdução «está escrito». Semelhantemente Paulo citou partes do Decálogo em Rom. 7:7; 13:9; Efé. 6:2. Jesus também citou Deuteronômio em várias ocasiões, a saber: Mat. 4:1-11; 22:38; Lucas 4:1-13; Marcos 7:9-12; 10:5 e 10:17-19.
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