Livro de Daniel


O nome é hebraico e tem o sentido de «Deus é meu juiz». Daniel foi um famoso profeta judeu do período babilónico e persa, embora isso seja posto em dúvida por muitos críticos modernos, que duvidam da cronologia a seu respeito. Ver a discussão sobre isso, mais abaixo. Tudo quanto sabemos acerca de Daniel deriva-se do livro que tem o seu nome; as tradições, como é usual, são duvidosas. Ver sobre Daniel, sob o segundo ponto, abaixo.
I. características Gerais
Esse livro aparece na terceira seção do cânon hebraico, chamada ketubim. Nas Bíblias em línguas vernáculas, trata-se de uma das quatro grandes composições proféticas escritas, de acordo com o cânon alexandrino. Na moderna erudição, diferem as opiniões a seu respeito. Alguns estudiosos pensam que se trata apenas de um dos melhores escritos pseudepígrafos, uma pseudoprofecia romântica, escrita essencialmente como uma narrativa, e não um livro profético. Mas outros respeitam altamente o livro, como profecia,, baseando várias doutrinas sérias, a respeito dos últimos dias, ainda futuros, sobre esse livro. Seja como for, é verdade que o Novo Testamento incorpora grande parte da visão profética desse livro no Apocalipse, envolvendo temas como a grande tribulação, o anticristo, a segunda vinda de Cristo, a ressurreição e o julgamento final. As indicações cronológicas do livro de Daniel são adotadas diretamente pelo Apocalipse.
O livro foi escrito em hebraico, mas com uma extensa seção em aramaico, ou seja, Daniel 2:4b-7:28. Os eruditos liberais pensam que essa porção jé um tanto mais antiga, tendo sido adaptada às pressas para seu uso, em uma revisão palestina. Temos a introdução do livro, escrita em hebraico (Dan. l:l-2:4a), com visões adicionais (caps. 8 em diante), a respeito de coisas que tiveram lugar durante a crise sob o governo de Antioco IV Epifânio (175-163 A.C.). Reveste-se de especial importância o material do décimo capítulo, que apresenta uma personagem «à semelhança dos filhos dos homens» (Dan. 10:16), e que os estudiosos cristãos pensam tratar-se de uma alusão ao Messias. O livro também encerra a doutrina da ressurreição dos mortos (Dan. 12:2,3), e uma angelologia típica do judaísmo posterior. Daniel é o único livro judaico de natureza apocalíptica que foi finalmente aceito no cânon palestino, ao passo que vários livros dessa natureza vieram a tomar-se parte do cânon alexandrino.
II.  O Homem Daniel e o Pano de Fundo Histórico do Livro
Daniel era descendente da família real de Judá, ou pelo menos, da alta nobreza dessa nação (Dan. 1:3; Josefo, Anti. 10.10,1). Ê possível que ele tenha nascido em Jerusalém, embora o trecho de Daniel 9:24, usado como apoio para essa ideia, não seja conclusivo quanto a isso. Com a idade entre doze e dezesseis anos, ele já se encontrava na Babilônia, como cativo judeu entre todos outros jovens nobres hebreus, como Ananias, Misael e Azarias, em resultado da primeira deportação da nação de Judá, no quarto ano do remado de Jeoiaquim. Ele e seus companheiros foram forçados a entrar no serviço da corte real babilónica. Daniel recebeu o nome caldeu de Beltessazar, que significa «príncipe de Baal». De acordo com os costumes orientais, uma pessoa podia adquirir um novo nome, se as suas condições fossem significativamente alteradas, e esse novo nome expressava a nova condição (II Reis 23:34; 24:17; Est. 2:7; Esd. 5:14). A fim de ser preparado para suas novas funções, Daniel recebeu o treinamento oriental necessário. Ver Platão,Alceb. seção 37. Daniel aprendeu a falar e a escrever o caldeu (Dan. 1:4). Não demorou para ele distinguir-se, tomando-se conheci­do por sua sabedoria e piedade, especialmente na observância da lei mosaica (Dan. 1:8-16). O seu dever de entreter a outras pessoas,sujeitou-o à (tentação de comer coisas consideradas impróprias pelos preceitos leviticos, problema esse que ele enfrentou com sucesso.
A educação de Daniel teve lugar durante três anos, e então tomou-se um dos cortesãos do palácio de Nabucodonosor, onde, pela ajuda divina, conseguiu interpretar um sonho do monarca, para inteira satisfação deste. Tudo em Daniel impressionava o rei, pelo que ele subiu no conceito real, tendo-lhe sido confiados dois cargos importantes, como governador da província da Babilônia e inspetor-chefe da casta sacerdotal (Dan. 2:48). Posteriormente, em um outro sonho que Daniel interpretou, ficou predito que o rei, por causa de sua prepotência, deveria ser humilhado por meio da insanidade temporária, após o que, seu juízo ser-lhe-ia restaurado (Dan. 4). As qualidades pessoais de Daniel, como sua sabedoria, seu amor e sua lealdade, resplandecem por toda a narrativa.
Sob os sucessores indignos de Nabucodonesor, ao que parece, Daniel sofreu um período de obscuridade e olvido. Foi removido de suas elevadas posições, e parece ter começado a ocupar postos inferiores (Dan. 8:27). Isso posto, ele só voltou à proeminência na época do rei Belsazar (Dan. 5:7,8), que foi co-regente de seu pai, Nabonido. Belsazar, porém, foi morto quando os persas conquistaram a cidade. Porém, antes desse acontecimento, Daniel foi restaurado ao favor real, por haver conseguido decifrar o escrito misterioso na parede do salão do banquete (Dan. 5:2 e ss). Foi por essa altura dos acontecimentos que Daniel recebeu as visões registradas nos capítulos sétimo e oitavo, as quais descortinam o curso futuro da história humana, juntamente com a descrição dos principais impérios mundiais, que se prolongariam não somente até à primeira vinda de Cristo, mas exatamente até o momento da «parousia», ou segunda vinda de Cristo.
Os medos e os persas conquistaram a Babilônia, e uma nova fase da história se iniciou. Daniel mostrou-se ativo no breve reinado de Dario, o medo, que alguns estudiosos pensam ter sido o mesmo Ciaxares II. Uma das questões envolvidas foram os preparativos para a possível volta de seu povo, do exílio para a Terra Santa. Sua grande ansiedade, em favor de seu povo, para que fossem perdoados de seus pecados e fossem restaurados & sua terra, provavelmente foi um dos fatores que o ajudou a vislumbrar o futuro, até o fim da nossa atual dispensação (Dan. 9), o que significa que ele previu o curso inteiro da futura história de Israel. Daniel continuou cumprindo seus deveres de estadista, mas sempre observando estritamente a sua fé religiosa, sem qualquer transigência. Há um hino cujo estribilho diz: «Ouses ser um Daniel; ouses ficar sozinho». O caráter e os atos de Daniel despertaram ciúmes e invejas. Mediante manipulação política, Daniel terminou encerrado na cova dos leões; mas o anjo de Deus controlou a situação, e Daniel foi livrado dos leões, adquirindo um novo prestigio, uma maior autoridade.
Daniel teve a satisfação de ver um remanescente de Israel voltar à Palestina (Dan. 10:12). Todavia, sua carreira profética ainda não havia terminado, porquanto, no terceiro ano de Ciro, ele recebeu uma outra série de visões, informando-o, acerca dos futuros sofrimentos de Israel, do período de sua redenção, através de Jesus Cristo, da ressurreição dos mortos e do fim da atual dispensação (Dan. 11 e 12). A partir desse ponto, as tradições e as fábulas se manifestam, havendo histórias referentes à Palestina e à Babilônia (Susã), embora não possamos confiar nesses relatos.
Pano de Fundo e Intérprete Liberais. A moderna erudição crítica é praticamente unânime ao declarar que o livro de Daniel foi compilado por um autor desconhecido, em cerca de 165 A.C., porquanto conteria supostas profecias sobre monarcas pós-babilônicos que, mais provavelmente, são narrativas históricas, porquanto vão-se tomando mais e mais exatas, —à medida que o tempo de seu cumprimento se aproxima (Dan. 11:2-35). Para esses intérpretes o propósito do livro foi o de encorajar os judeus fiéis, em seu conflito com Antíoco IV Epifânio (ver I Macabeus 2:59,60). Por causa da tensão em que viviam, o livro de Daniel teria sido entusiasticamente acolhido, porquanto expõe uma visão final otimista da carreira de Israel no mundo. E assim, o livro teria sido recebido no cânon ‘hebreu. Ver o artigo sobre Apocalípticos, Livros (Literatura Apocalíptica). Isso posto, temos duas posições: uma delas afirma que realmente houve um profeta chamado Daniel, que viveu a vida descrita nos parágrafos anteriores do livro, e cujas visões fazem parte indispensável do quadro profético. A outra posição diz que o livro de Daniel é uma espécie de romance-profecia, que apresenta acontecimentos históricos como se tivessem sido preditos, exatos em tomo de 165 A.C., mas não tanto, à medida que se retrocede no tempo. Os vários argumentos são apresentados na terceira seção, intitulada Autoria, Data e Debates a Respeito, mais abaixo.
Informes Posteriores Sobre Daniel. Uma tradição rabínica posterior (Midrash Sir hasirim, 7:8) diz que Daniel retomou à Palestina, entre os exilados. Mas um viajante judeu, Benjamim de Tudela (século XII D.C.) supostamente teria encontrado o túmulo de Daniel em Susã, na Babilônia. Nesse caso, se o primeiro informe é veraz, então Daniel retomou mais tarde à Babilônia. Há informes sobre esse túmido, desde o século VI D.C., embora muitos duvidem da exatidão dessas tradições, pois geralmente não passam de fantasias.
Um Daniel Antediluviano ? Alguns supõem que o Daniel referido em Ezequiel 14:14 não é o Daniel da tradição profética, e, sim, uma personagem que viveu antes do dilúvio, não contemporâneo de Ezequiel, e cujo nome e caráter teriam inspirado o pseudônimo vinculado ao livro canônico de Daniel. A lenda ugarítica de Aght refere-se a um antigo rei fenício, Dnil (vocalizado como Danei ou Daniel), o que significaria que esse nome é antiquíssimo. Ver Ezequiel 28:3, onde o profeta escarnece de Tiro porque, supostamente, era «mais sábio que Daniel». Isso poderia ser também uma referência a um antigo sábio, não contemporâneo de Daniel.
III. Autoria, Data e Debate a respeito
Essas questões são agrupadas neste terceiro ponto por estarem relacionadas umas às outras, dentro do campo da alta critica sobre as atividades de Daniel. Alistamos e comentamos sobre esses problemas, abaixo:
1.  Um grave erro histórico, segundo alguns pensam, estaria contido em Dan. 6:28 e 9:1, ondè o autor sagrado situa Dario I antes de Ciro, fazendo Xerxes aparecer como o pai de Dario I. Nesse caso, teriamos a ordem Xerxes, Dario e Ciro, quando a seqttência histórica é precisamente a inversa. Mas essa crítica é plenamente respondida quando se demonstra que Daniel referia-se a Dario, o medo, um governador sob as ordens de Ciro, cujo pai tinha o mesmo nome que aquele rei persa posterior. Não seria mesmo provável que um autor, que demonstrasse tão notáveis poderes intelectuais, e que contava com Esdras 4:5,6 à sua frente, pudesse ter cometido um equívoco tão crasso, especialmente em face do fato de que ele situa Xerxes como o quarto rei depois de Ciro. (Ver Dan. 11:2).
2.   O problema do cânon. A coletânea dos profetas hebreus já estava completa por volta do século III A.C., mas essa coletânea não incluía Daniel, livro esse que foi posto na porção posterior do cânon, ou seja, entre os Escritos. O catálogo de antigos hebreus famosos, publicado em Sabedoria de Ben Siraque, também chàmado Eclesiástico, publicado no começo do século II A.C., não menciona Daniel; e, no entanto, um século depois, I Macabeus alude a esse livro. Além disso, umà porção do Hvro foi escrita em aramaico da Palestina, não no diafeto da Mesopotàmia.
O aramaico estava sendo falado na Palestina. Isso faz nossos olhos desviarem-se da Babilônia, como o lugar da composição desse livro, fixando a nossa atenção sobre a Palestina. Essa crítica é respondida mediante a observação de que Daniel não era oficialmente conhecido como profeta. Antes, foi um estadista com dons proféticos (Mat. 24:15). E isso justifica o fato dele não haver sido alistado entre os profetas tradicionais. Além disso, mesmo que o livro de Daniel j & tivesse sido escrito quando Ben Siraque preparou sua lista de grandes hebreus, a omissão de seu nome não deve causar surpresa, porquanto esse catálogo também dèixa de lado a J6 e a todos os juizes, excetuando Samuel, Asa, Josafá, Mordecai e o próprio Esdras (Eclesiástico 44 – 49).
3.  Numerosos equivocas históricos, com as soluções propostas. Dizem alguns que esses equívocos apare­cem quando o autor aborda questões distantes da data de 165 A.C. (quando, presumivelmente, o livro de Daniel teria sido escrito), o que faria óbvio contraste com o conhecimento que o autor tinha do período grego, posterior. Os críticos, em face disso, sentem que o livro de Daniel tirou proveito de antigas lendas judaicas acerca de um sábio de nome Daniel (ver Ezequiel 14 e 28). Teria sido então constituída uma pseudóprofecia para encorajar os judeus, que sofriam sob Antíoco IV Epifânio. Esse Daniel teria sido capaz de enfrentar os mais incríveis sofrimentos, pelo que todos os israelitas estariam na obrigação de seguir o seu exemplo. Como resposta, precisamos considerar as doze considerações abaixo:
a.   Quanto, aos supostos equívocos, esses parecem ter sido adequadamente respondidos no primeiro ponto, acima.
b.  O suposto fato de que o tipo de aramaico usado foi da Palestina, e não da Mesopotâmia, tem uma resposta adequada, pelo menos até onde vejo as coisas. Os estudos sobre os documentos escritos em aramaico têm mostrado que a variedade de aramaico usada no livro de Daniel é bastante antiga, sendo impossível estabelecer claras distinções entre os dialetos, conforme alguns eruditos do passado chegaram a fazer. A linguagem aramaica do livro de Daniel tem fortes afinidades com os papiros elefantinos (que vide) do século V A.C. Outrossim, o hebraico usado no livro de Daniel ajusta-se ao período de Ezequiel, de Ageu, de Esdras e dos livros de Crônicas, e não ao hebraico do período helenista, posterior. Parece que melhores estudos e descobertas arqueológicas têm revertido o juízo negativo, em alguns casos significativos.
c.  Escreveu Robert Pfeiffer: «Presume-se que nunca saberemos como o nosso autor aprendeu que a Nova Babilônia foi criação de Nabucodonosor (Dan. 4:30), segundo as escavações têm comprovado» (Intro- duction to the Old Testament, ’pág. 758).
d.    Ò quinto capitulo de Daniel retrata Belsazar como co-regente da Babilônia, juntamente com seu pai, Nabònido. Àntes, esse informe era objeto de ataques. No entanto, isso tem sido demonstrado como um fato, pelas descobertas arqueológicas (R.P. Dougherty, Nabonidus and Belshazzar, 1929; J. Finegan, Light from the Ancient Past, 1959).
e.   Documentos escritos em cuneiforme, provenien­tes de Gubaru, confirmam a informação dada no sexto capítulo do livro de Daniel, acerca de Dario, o medo. Atualmente, não é mais possível atribuirmos a Daniel um falso conceito de um independente reino medo, entre a queda da Babilônia e o soerguimento de Ciro, segundo alguns estudiosos fizeram, erronea­mente, no passado.
f.   O autor sagrado também sabia o bastante sobre os costumes do século VI A.C., a ponto de ter dito que as leis da Babilônia estavam sujeitas ao _ rei Nabucodonosor, que podia decretar ou modificar decretos (Dan. 2:12,13,46), em contraste com á informação de que Dario, o medo, não tinha autoridade para alterar as leis dos medos e dos persas (Dan. 6:8,9).
g. Além disso, o modo de punição na Babilônia, mediante o fogo (cap. 3), ou mediante leões (cap. 6), concorda perfeitamente bem com a história. (A.T. Olmstead, The History of the Persian Empire, 1948, pág. 473).
h. A comparação com as evidências cuneiformes acerca de Belsazar, e aquelas informações que lemos no quinto capitulo de Daniel, demonstra que” o livro de Daniel pode ter sido escrito em uma data anterior, e ser perfeitamente autêntico. Naturalmente, um. autor do período dos Macabeus poderia ter usado materiais autênticos quanto aos fatos sobre os quais escrevia, e, ainda assim, poderia ter escrito seu livro em uma data posterior. Porém, o que as evidências demonstram é que a exatidão do material ali escrito pode ter tido, por motivo, o fato de que o autor sagrado foi contemporâneo de Belsazar.
i. Segundo alguns estudiosos, o livro foi escrito no tempo dos Macabeus, porque reflete melhor aquela época, mas bem menos tempos anteriores. Contra isto, podemos observar que entre os manuscritos do mar Morto (que vide), Daniel é representado. Isto sugere que o livro foi escrito antes daquela época, e supostamente, antes do tempo dos Macabeus. Isto, todavia, não determina quanto antes.
j. Palavras gregas. No livro de Daniel, há três nomes gregos para instrumentos musicais, a harpa, a cítara e o saltério (Dan, 3:5,10), o que poderia significar que tais palavras foram empregadas porque o autor viveu no período helenista. Mas essa crítica é rebatida mostrando-se que há provas da penetração do idioma e da cultura gregos no Oriente Médio, muito antes do tempo de Nabucodonosor. Portanto, não seria para admirar que Daniel, no século VI A.C., conhecesse alguns termos gregos para as coisas. (Ver W.F. Albríght, From the Stone Age to Christianity, 1957, pág. 337). Também há palavras, emprestadas do persa que se coadunam com uma data anterior. E o aramaico usado no livro de Daniel ajusta-se ao aramaico dos papiros elefantinos, do século V A.C.
k. O trecho de Daniel 1:1 parece conflitar com Jeremias 25:1,9 e 46:2, no tocante à data da captura de Jerusalém. Daniel declara que a cidade fora capturada no terceiro ano de Jeoaquim (605 A.C.). Jeremias, por sua vez,: indica que mesmo no ano seguinte, a cidade ainda não havia sido vencida. Essa aparente discrepância envolve um período de cerca de um ano. Mesmo que fosse uma verdadeira discrepân­cia, não anularia o livro de Daniel como uma profecia autêntica. Seja como for, os defensores do livro de Daniel ressaltam que os escribas babilônios usavam um sistema de computação segundo o ano da subida ao trono, o que significa que o ano da subida ao trono não era chamado de primeiro ano de governo, embora, na realidade, assim fosse. No entanto, os escribas palestinos não observavam essa distinção, pelo que o ano em que um monarca subia ao trono era chamado de primeiro ano de seu governo. Portanto, Daniel estava seguindo o modo babilónico de computação, ao passo que Jeremias estava usando o modo palestino. Isso quer dizer que o quarto ano mencionado em Jeremias 25:1 é idêntico ao terceiro ano de Daniel 1:1.
1.    O uso do termo «caldeus», em Daniel, em sentido mais restrito, indica a classe dos sábios, ou então uma casta sacerdotal (o que não tem paralelo no resto dõ
Antigo Testamento). Mas, alguns críticos pensam que isso é indicação de uma data posterior do livro de Daniel. Porém, a observação de Heródoto, em suas Guerras Persas também exibe tal uso (séc. V A.C.),demonstrando que essa maneira de expressar é bastante antiga e não tão recente como os críticos querem dar a entender.
m. A insanidade de Nabucodonosor, de acordo com os críticos liberais, seria um dramático toque literário da parte do autor sagrado, infiel aos fatos históricos. Porém, tanto Josefo quanto um autor do século II A.C., Abideno, mencionam essa questão. Apesar desses dois terem vivido em data bem posterior, e que a informação dada por eles pode ser posta em dúvida, não parece que somente Daniel se tenha referido à questão. Três séculos mais tarde, um sacerdote babilônio, de nome Beroso, preservou uma tradição sobre esse incidente da insanidade de Nabucodono­sor. O fato de que esse incidente só veio & tona tanto tempo depois de sua ocorrência, talvez se deva & crença, existente na Mesopotâmia, de que a insanidade mental resulta da possessão demoníaca; e o fato de que um monarca tenha sido assim afligido, sem dúvida, foi acobertado o máximo possível.
Acompanhar os lances do debate sobre os problemas históricos do livro de Daniel não é uma jornada fácil. Procurei expor diante do Teitor apenas a essência indispensável da questão, com argumentos e contra- argumentos. Desnecessário é dizer que os dois lados não têm aceito os argumentos um do outro; pois, do contrário, já se teria chegado a um acordo. Até onde vejo as coisas, várias críticas foram devidamente respondidas, e a tendência parece ser que há explicações razoáveis para a maior parte dos supostos erros históricos de Daniel.
No entanto, quero deixar claro que o livro de Daniel poderia ser uma profecia genuína, mesmo que houvesse nele — alguns equívocos — históricos. Estamos esperando demais de qualquer livro da Bíblia, quando esperamos perfeição até sobre quest&es dessa natureza. A verdade profética, moral ou teológica, em nada sofre por causa de discrepâncias cientificas ou erros sobre questões históricas. A própria ciência envolve inúmeras discrepâncias, mas nem por isso rejeitamos a dose de verdade que ela nos tem podido apresentar. As narrativas históricas dos melhores historiadores estão repletas de erros, mas não é por isso que dizemos que a humanidade não conta com nenhuma história. Aqueles que requerem perfeição da parte dos livros bíblicos promovem um dogma humano, porque as próprias Escrituras não declaram que eles não contêm qualquer erro. Ver o artigo sobre a Inspiração, quanto a uma declaração mais detalhada sobre essa questão.
4.  A Função Profética. — Um dos problemas superficiais criado pelos críticos, é que eles objetam à profecia de Daniel como se todas as previsões ali existentes fossem observações históricas, supostamen­teescritas por algum autor que viveu quando as tais predições já se tinham cumprido. Os céticos que dizem que é impossível predizer o futuro são forçados a fazer com que cada livro profético seja reduzido ou a uma pseudoprofecia (as coisas preditas ainda não aconteceram, e nem acontecerão) ou a uma narrativa histórica (as coisas preditas aconteceram, mas foram registradas após os eventos terem acontecido). Porfírio(século III A.C.) foi quem deu começo à critica contra o livro de Daniel, e esse ponto de vista contfaprofético foi ele quem promoveu. Ele supunha que o livro de Daniel teria sido composto na época de Antioco IV Epifânio, com a finalidade de animar os judeus que estavam sendo perseguidos; e a sua ideia é que se exatamente a mesma coisa que está sendo dita em nossos dias, contra o livro de Daniel. Os estudos no campo da parapsicologia e a experiência humana comum mostram que o conhecimento prévio é um fenômeno simples, e todas as pessoas, quando estão dormindo, possuem poderes de pré-cognição. Mas isso ainda não é o dom da profecia, embora mostre que não é um fenômeno tão estranho. Os místicos modernos têm poderes proféticos comprovados.
5.   Conceitos Religiosos Posteriores. Os críticos partem do pressuposto que, no livro de Daniel, há reflexos de uma teologia posterior, incluindo o conceito dos anjos e a doutrina da ressurreição, ideias essas que não teriam atingido a forma apresentada no livro de Daniel senão já na época dos Macabens. As ideias de Zoroastro, aparentemente, influenciaram a angelologia dos hebreus. Sua data de 1000 A.C., dá amplo tempo para que os judeus adquirissem certas ideias sobre os anjos, incluindo as ideias expressas no livro de Daniel, que pertence cerca de 600 A.C. Ressurreição . A ressurreição é claramente mencionada em Jó 19:26, e é possível que o livro de Jó seja o mais antigo livro da Bíblia, portanto, este é um conceito muito antigo.
Conclusão. Se os críticos estão com a razão, então 0 livro de Daniel foi escrito em cerca de 165 A.C., no período dos Macabeus. Nesse caso, tanto o livro contém uma pseudoprofecia como também pertence ao grupo de pseudepígrafas visto que o nome do autor, Daniel, teria sido artificialmente aposto ao livro. E, caso os críticos não estejam com a razão, então o livro de Daniel foi composto em cerca de 600 A.C., por Daniel, um profeta estadista. Os eventos registrados nesse livro abarcam um período de cerca de setenta anos.
IV. Ponto de vista Profético
Aqueles que levam a sério o livro de Daniel, como uma profecia, — não concordam sobre como o esboço do livro deve ser compreendido. É claro que esse livro deve ter alguma espécie de esboço da história humana, mas é menos claro onde ficam as divisões principais desse esboço. Alguns intérpretes supõem que a grande imagem (Dan. 2:31-49), as quatro feras (Dan. 7:2-27) e as setenta semanas (Dan. 9:24-27) tinham o intuito de mostrar o que teria lugar quando da primeira vinda de Cristo. Esses intérpretes também supõem que é o Israel espiritual, que eles denominam de Igreja, que cumpriu as promessas feitas aos judeus, o antigo Israel, que foi rejeitado por Deus por causa da sua desobediência. Essa escola de interpretação nega enfaticamente que haja um tempo parentético entre as semanas sessenta e nove e setenta, e que a semana restante haverá de cumprir na futura, grande tribulação (Dan. 9:26,27). De acordo ainda com essa interpretação, a pedra que feriu a imagem (Dan. 2:34,35) tem em vista a primeira vinda de Cristo, com o subsequente desenvolvimento da Igreja. Os dez chifres da quarta fera (Dan. 7:24) não se refeririam a reis do tempo do fim, ligados a um revivificado império romano. O pequeno chifre de Dan. 7:24 não representaria um ser humano. A morte do Messias é que poria fim ao sistema de sacrifícios dos judeus, sendo também a morte de Cristo, o abominável que desola, e não um anticristo ainda futuro. Ou então, se essa ideia for personificada, teríamos de pensar em Tito, o general romano, porquanto foi ele quem destruiu Jerusalém e seu culto religioso. Os amilenistâs é que tomam essa ridícula posição.
Por outra parte, os pré-milenistas (ver o artigo sobreo Milênio) afirmam que a profecia de Daniel alude ao fim dos tempos, até à parousia (que vide) ou segunda vinda de Cristo. Nesse caso, deve-se entender um período parentético entre a sexagésima nona semana e a septuagésima semana (Dan. 9:26,27). Esse período é de tempo indeterminado (já se prolonga por quase dois mil anos), correspondente à dispensação da graça em que vivemos. E a septuagésima semana, que duraria sete anos, seria o período da grande tribulação.
Os pre-milenistas estão divididos quanto ao momento do arrebatamento da Igreja. Este ocorreria antes ou após a tribulação? Alguns chegam a pensar que o arrebatamento dar-se-á no meio da tribulação. A questão é amplamente discutida em meu artigo sobre & Parousia. Ver também o artigo separado sobre as Setenta Semanas. Os que pensam que a Igreja será arrebatada antes da grande tribulação supõem que Israel tornar-se-á novamente proeminente na história humana e enfrentará o anticristo, sobre o qual acabará obtendo a vitória, e será inteiramente restaurado à sua terra. Mas, segundo esse esquema pré-tribulacional, Israel, embora convertido ao Senhor, não fará parte da Igreja. Por sua vez, os que pensam que a Igreja só será arrebatada depois da grande tribulação, embora admitam que Israel venha a converter-se ao Senhor, fará parte integrante e inseparável da Igrejat porquanto o ensino bíblico é que toda a pessoa que se converte, após o sacrifício expiatório de Cristo, automaticamente faz parte da Igreja. Ver Rom. 11:26 ss, quanto a uma afirmação de que Israel será restaurado como nação.
De acordo com o ponto de vista pré-milenista, a imagem do segundo capítulo de Daniel representa os reinos do mundo, dominados por Satanás, a saber, a Babilônia, a Média-Pérsia, a Grécia e Roma. Nos últimos dias, na época dos dez reis de Daniel 7:7, Roma será revivificada (Dan. 2:41-33 e Apo. 17:12). O poder que unificará aqueles dez reis com seus respectivos reinos será o anticristo. E será precisa­mente esse poder que será destruído por Cristo, quando de sua segunda vinda (Dan. 2:45; Apo. 19). Ver também Apo. 13:1,2; 17:7-17 e Dan. 2:35. O Filho do Homem é que obterá a vitória final sobre o anticristo (Dan. 7:13), quando ele vier com as nuvens do céu (Mat. 26:64 e Apo. 19:11 ss). O anticristo é o pequeno chifre de Daniel 7:24 ss. (comparar com Dan. 11:36 ss). Historicamente, esse chifre aponta para Antioco IV Epifânio, mas, profeticamente, o anticristo está em vista. Ver o artigo separado sobre o Anticristo.
V. Proveniência e Unidade
O livro tem toda a aparência de haver sido escrito na Babilônia. Naturalmente, poderia ter sido escrito posteriormente, em Jerusalém, após o retomo dos exilados judeus. Os críticos supõem que há porções mais antigas e mais recentes, que seriam refletidas nos dois idiomas (o trecho aramaico seria o mais antigo; ver Dan. 2:4b—7:28), que teriam sido adicionadas para dar uma forma final ao livro. Os críticos também pensam que diferentes autores estiveram envolvidos nesse trabalho. É possível que a porção mais antiga tenha Sido produzida na Babilônia, ao passo que a porção mais recente teria sido preparada na Palestina, a fim de que o volume total tosse publicado na Palestina. A arqueologia tem descoberto provas de que, na antiga Mesopotâmia, os escritores, algumas vezes, tomavam a porção princi­pal de uma obra, intercalando-a entre uma introdu­ção e uma conclusão, de natureza literária totalmente diferente. Isso pode ser visto no código de Hamurabi, onde a parte principal é prosaica, com um prefácio e uma conclusão em forma de poema. O livro de J6 parece ter uma estrutura similar. Porém, esse argumento é fraco. Pode-se supor que outras obras assim também reflitam autores diferentes, como, por exemplo, no código de Hamurabi, onde a porção prosaica é de autoria de um ou mais autores, e a parte poética pode ter tido um ou mais autores diferentes. Nesse caso, a obra poderia ser considerada como uma compilação feita por algum editor, ao mesmo tempo em que o próprio material escrito foi produzido por um autor ou mais. Por outro lado, a maior parte das obras literárias compõe-se de compilações, embora isso não queira dizer que não haja apenas um autor das mesmas. O problema da unidade do livro de Daniel não está resolvido; e também não podemos estar certos de que apenas Daniel o escreveu. Pois ele pode ter agido como autor-editor, ou então a obra pode ter incorporado seus escritos, por parte de um outro autor-editor. Mas essa possibilidade em nada alteraria o valor profético da obra.
VI.   Destino e Propósito
Já tivemos ocasião de ver que os críticos supõem que o livro de Daniel foi escrito para encorajar os judeus palestinos em meio  sua resistência ao programa de helenização de Antioco IV Epifânio. Por outro lado, o livro pode ter tido o propósito de realizar o mesmo papel, mas em favor dos judeus exilados na Babilônia, que estariam enfrentando graves proble­mas, em seus preparativos para retomar a Jerusalém. Nesse caso, o livro também mostraria que Deus, embora juiz dos judeus, em vista de que deixou que fossem para o exílio, haveria de restaurá-los, por motivo de sua misericórdia. Esse segundo ponto de vista está mais em consonância com o arcabouço histórico apresentado no próprio livro. Naturalmente, o arcabouço histórico poderia ter sido utilizado pelo autor como uma lição objetiva, destinada a um povo posterior, que estivesse enfrentando um conjunto inteiramente diverso de dificuldades.
VII.   Canonicidade
O     livro de Daniel foi recebido no cânon do Antigo Testamento na terceira divisão, chamada Escritos. Ao livro de Daniel não se deu lugar junto aos livros de Isaías e Ezequiel. Ele não mediou uma revelação à comunidade teocrática, mas foi um estadista judeu, dotado de dons proféticos. Não obstante, o Talmude (Baba Bathra 15a) testifica sobre a grande estima que os judeus tinham por esse livro, tendo-se tomado o único Livro apocalíptico a ser recebido no cânon dos escritos sagrados dos hebreus. O cânon alexandrino incluía outros livros. Na Septuaginta, o livro de Daniel aparece entre os escritos proféticos, após o livro de Ezequiel, mas antecedendo os doze profetas menores. Essa arrumação tem sido seguida pelas traduções em línguas modernas. Ver o artigo separado sobre o Cânon.
VIII. Esboço do Conteúdo
A.   Introdução. História Pessoal de Daniel (1:1-21)
B.   Visões Sobre Nabucodonosor e a História de Ciro (2:1—6:28)
a.   A imagem em seu simbolismo, e sua destruição pela pedra cortada sem mãos (2:1-49)
b.   A fornalha ardente (3:1-30)
c.   A visão da árvore, de Nabucodonosor (4:1-37)
d.   O festim de Belsazar e a queda da Babilônia (5:1-31)
e.   A cova dos leões (6:1-28)
C.  Várias Visões de Daniel (7:1-12:13)
a.   As quatro feras (7:1-28)
b.  O carneiro e o bode (8:1-27)
c.   As setenta semanas (9:1-27)
d.   A glória de Deus (10:1-21)
e.   Profecias sobre os Ptolomeus, os Selêucidas e acontecimentos do tempo do fim (11:1-45)
f.    A grande tribulação (12:1)
g.   A ressurreição (12:2,3)
D.   Declaração Final (12:4-13)
IX. Acréscimos Apócrifos
A Septuaginta e a versão de Teodócio trazem consideráveis adições ao livro de Daniel, que não podem ser encontradas no cânon hebraico, a saber: 1. A Oração de Azarias (Dan. 3:24-51). 2. O Cântico dos Três Jovens (Dan. 3:52-90). 3. A História de Susana (Dan. 13). 4. A História de Bei e o Dragão (Dan. 14). Esse material todo foi acrescentado ao livro canônico de Daniel, para ser preservado e por causa de paralelos literários, e, sem dúvida, sob a inspiração do próprio livro. Ver o artigo separado sobre os Livros Apócrifos, quanto a completas descrições sobre o conteúdo e o caráter.

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