Linguagem do Evangelho de Mateus


As palavras de Papias acerca dos Oráculos do Senhor de que foram escritos em hebraico (aramaico) (apud Eusébio, «História Eclesiástica», III.39), sem dúvida formaram a base da tradição antiga de que este evangelho foi escrito naquela língua. Vários outros, conforme se diz sob «Autoria e Confirmação Antiga», reiteraram essa tradição, a qual se tomou a posição padrão da igreja antiga, e dali, da medieval e da moderna. Jerônimo evidentemente confundiu o Evangelho aos Hebreus com o nosso Evangelho de Mateus; e ele e outros supuseram, erroneamente, que Mateus fosse tradução grega daquele. Epifânio (403 D. C.) declarou especificamente que o Mateus em grego era tradução do Evangelho aos Hebreus; mas atualmente sabemos que havia pouquíssimo material paralelo entre essas obras, e que uma não dependia da outra. Eusébio ensina-nos que Pantaeno, 200 D.C., em uma viagem pela Índia, encontrou o original do Evangelho de Mateus, trazendo-o consigo em sua volta. Esse evangelho, presumível, fora escrito em hebraico, e mui provavelmente temos nisso apenas outra alusão ao Evangelho aos Hebreus, obra inteiramente diferente, e certamente inferior.
Assim sendo, se a principio os testemunhos em favor da ideia de ter sido originalmente escrito esse evangelho em hebraico (aramaico) são impressionantes, pequena investigação e raciocínio revertem a ideia. As citações de Jerônimo do suposto original, o Mateus em hebraico, incluem materiais que não se acham no evangelho de Mateus, de onde se deduz que houve confusão acerca da tradição.
Alguns eruditos pensam que a declaração de Papias, de fato foi feita acerca do Evangelho de Mateus, e não acerca dos Oráculos, ou então acerca do material Q, que veio a ser incorporado no evangelho citado. Outros supõem, entretanto, que esses oráculos nada foram senão «textos de prova» retrabalhados com comentários, que cristãos primitivos haviam combinado com base no A.T. E mesmo que Papias houvesse afirmado que o Evangelho de Mateus foi originalmente escrito em hebraico, o exame sobre o próprio documento mostra-nos que certamente ele estava equivocado. Por exemplo, Mateus exibe bem marcante dependência verbal, ao Evangelho de Marcos em grego. É quase impossível que isso houvesse sucedido, se Mateus tivesse sido traduzido para o grego. Outrossim, do princípio ao fim, as citações existentes no mesmo são extraídas da LXX, e não do A.T. hebraico. Naturalmente que há expressões e coloridos tipicamente semitas, tal como na maioria do N.T., até mesmo no caso daqueles livros que obviamente foram escritos originalmente em grego sobre o que não se admite disputa. Ê natural que quando o autor sagrado abordava questões judaicas, sendo que ele mesmo conhecia o aramaico, tanto quanto o grego, tivesse, ocasionalmente, empregado expressões idiomáticas do aramaico, transferindo-as quase literalmente para o grego.
Em contraste com os antigos, a maioria dos eruditos atuais considera que esse evangelho teve um original grego. Mateus dependeu de um original grego de Marcos, o que também sucedeu com Lucas. Alguns têm tentado confundir o fato supondo um «original duplo», uma cópia em aramaico e outra em grego, como se isso houvesse circulado desde o princípio. Mas isso é forçar a questão. Talvez o mais forte argumento contra um original aramaico seja o mero fato de que nem uma só cópia — de tal documento chegou até nós, ao passo que contamos com nada menos de 1.400 cópias gregas de Mateus. Por razões assim é que Erasmo, Beza, Calvino, Lightfoot, Weststein, Lardner, Hug, Fritzche, Crede- ner, De Wette, Stuart, Da Gosta, Fairbaim, Roberts, Brown e, na realidade, a vasta maioria dos eruditos do século XX, têm afirmado crença no original grego do Evangelho de Mateus.
No tocante à qualidade do grego do livro de Mateus, podemos dizer o seguinte: Representa o grego koiné do período, com algumas expressões idiomáticas mui dispersas do aramaico, além de certa influência do «grego bíblico» da LXX. Gramaticalmente falando, é muito superior ao grego do Evangelho de Marcos, maculado de menos maneiris- mos que Marcos ou Lucas. Seu grego é mais suave que o de Marcos, mas menos variado e colorido do que o de Lucas. Mateus tem 95 vocábulos característicos (muito repetidos), em contraste com 151 no caso de Lucas, 41 no caso de Marcos. O autor gostava de reparar os barbarismos de Marcos, e algumas vezes deixava de lado as expressões coloquiais do mesmo. (Ver Mat. 9:2 em comparação com Mar. 2:4, kline, em lugar do vernáculo, krabatos; 12:14 — tomar conselho, em vez de dar conselho, em Mar. 3:6).
Concernente ao seu estilo, o autor sagrado mostra o hábito dos rabinos judeus contemporâneos, sobre os arranjos aritméticos. Assim é que ele tem grupos de três, como na genealogia (1:1-17); três tentações (4:1-11); três ilustrações da retidão (6:1-18); três mandamentos (7:7); três milagres de cura (8:1-15); três milagres de poder (8:23 —9:9); tríplice resposta à pergunta acerca do jejum (9:14-17); um tríplice «não temas» (10:26,28,31); uma tríplice repetição de «não é digno de mim» (10:37,38); três parábolas da semeadura (13:1-32); três assertivas sobre os pequeninos (18:10,14); três parábolas que advertem (21:28—22.14); três perguntas difíceis feitas por adversários (22:15-40); três orações no Getsêmani (26:39-44); três negações de Pedro (26:69-75). Além disso, há vários grupos de sete coisas; as sete cláusulas da oração do Pai Nosso (6:9-13); sete demônios (12:45); sete parábolas (cap. 13); o perdão dado não «sete vezes», mas setenta (18:22); os sete irmãos (22:25); e os sete «ais» (cap. 23).

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