Introdução ao Livro de Atos


O livro de Atos é a única história da igreja cristã em existência, escrita antes do século III D.C. Bastaria esse fato isolado para que se reconhecesse universalmente o valor deste livro, não o encarnado como mero documento histórico. Sem o mesmo, ficaríamos virtualmente sem qualquer registro histórico sobre o desenvolvimento inicial e a propagação do critianismo primitivo, que o acompanha em sua rápida expansão desde a Palestina até partes distantes do mundo civilizado de então. Também é obra de grande valia na ajuda que nos presta para melhor entendermos as epístolas paulinas, que constituem uma porção avantajada do volume do Novo Testamento, posto que lhes provê valiosas informações de pano de fundo.
Não obstante, o livro de Atos não encerra uma história completa de todo o movimento cristão do primeiro século de nossa era, porquanto cobre tão-somente um período de três décadas, isto é, de cerca de 33 acerca de 63 D.C. Outrossim, se concentra sobretudo nos feitos de apenas dois dos apóstolos de Cristo: Pedro e Paulo. Cerca de metade do volume do livro se devota às atividades de Paulo, um terço às atividades de Pedro, e mais ou menos um sexto aos outros líderes cristãos primitivos de menor envergadura.
O título original do livro, Atos dos Apóstolos, dificilmente teria sido conferido pelo seu autor original, embora tenha sido aquele que geralmente veio a ser-lhe atribuído. De fato, não se trata de uma narrativa dos «atos dos apóstolos», visto que apenas dois apóstolos recebem alguma descrição de vulto ali. Muito menos ainda seria a história dos «atos de todos os apóstolos», segundo é denominado o livro do cânon muratoriano, certamente como exagero do conflito contra Márcion. Este havia rejeitado os demais apóstolos de Jesus à base do fato de que haviam abandonado a Cristo quando de seu injusto julgamento, tendo transformado Paulo em seu grande herói, como exclusiva autoridade da igreja cristã primitiva. Talvez um título mais apropriado fosse «História do Poder de Deus entre os Apóstolos» ou «História dos Atos do Espírito Santo», já que a presença guiadora do Espírito de Deus é um tema permanente desse livro. (Ver Atos 1:8).
O livro de Atos é a continuação da narração do levantamento e propagação do cristianismo, sendo que a primeira metade é contada pelo evangelho de Lucas. Atos 1:1 é passagem que deixa pouquíssima dúvida de que esses dois volumes—o evangelho de Lucas e o livro de Atos—resultaram de um único esforço literário. Ê perfeitamente possível que os manuscritos originais dessas duas obras tivessem sido postos a circular juntos; ou então que os dois volumes fossem apenas seções diversas da mesma obra. Ou então o livro de Atos pode ter sido publicado pouco depois do evangelho de Lucas, em volume separado, embora com a finalidade de ser lido e usado em conjunção com esse evangelho. Juntas, essas duas obras formam o mais completo registro histórico de como se desenvolveu a nova religião revelada, em torno da personalidade do Senhor Jesus Cristo, não como um ramo espúrio e herético do judaísmo, mas, bem ao contrário, a plena concretização dos alvos e ideais do judaísmo segundo revelado nas páginas do A.T. Pois o cristianismo bíblico preservou tudo quanto havia de bom e verdadeiro no judaísmo, embora o tenha ultrapassado em grau e em importância, de tal modo que com o cristianismo surgiu uma nova e poderosa modalidade de fé.
É exatamente o desenvolvimento dessa nova fê que o livro de Atos acompanha até cerca do ano 67 D.C., quando o maior herói dessa nova fé se encontrava aprisionado em Roma. Embora o autor sagrado, sem dúvida alguma, tenha vivido o bastante para ser testemunha do martírio do apóstolo Paulo, não fazia parte dos seus propósitos descrever esse último evento, mas antes, encerrar a sua narrativa com uma nota de triunfo e de otimismo, pois o sucesso do cristianismo fora espantoso, o que se deveria encarar como resultado da sua origem e propagação divinas, mediante o poder divino do Espírito Santo.
«O livro de Atos é apedra-chave que vincula as duas porções principais do Novo Testamento, isto é, o ‘evangelho’, conforme os primeiros cristãos diziam…a única ponte de que dispomos para atravessar o abismo aparentemente intransponível que separa Jesus de Paulo, Cristo do cristianismo, o evangelho de Jesus e o evangelho sobre a pessoa de Jesus». (H.J. Cadbury, The Making of Luke-Acts, Nova Iorque: The Macmillan Co., pág. 2).
Os diversos títulos que têm sido atribuídos a esse livro, nos dias da antiguidade, são os seguintes: *Atos e Transações dos Apóstolos» (Codex Bezae) e «Atos dos Santos Apóstolos» (Codex Alexandrinus e outros, incluindo alguns dos primeiros pais da igreja). Os manuscritos mais antigos dizem simplesmente »Atos dos Apóstolos», como o Codex Vaticanus e outros manuscritos antigos, apesar de que o ms. Aleph diga simplesmente «Atos». Alguns editores têm dado preferência a este último título, como possível representante do título original, ou, pelo menos, como aquele que mais direito tem de reivindicar originali­dade. Os pais da igreja, Orígenes Tertuliano, Dídimo, Hilário, Eusébio e Epifânio também usaram mera­mente o título «Atos» para este livro. Já Ecumênio chamou-o de «Evangelho do Espírito Santo». E Crisóstomo apodou-se de Livro da Demonstração da Ressurreição.

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