Fontes Informativas do Evangelho de Lucas


Parece perfeitamente óbvio que o próprio Lucas não foi uma testemunha ocular. Existem tradições que declaram que ele foi um dos setenta discípulos especiais enviados, por Jesus, a fim de expandir o ministério dos doze apóstolos (conforme se vê em Epifânio, Her. 1:12). Talvez essa tradição se tenha originado da observação de que somente Lucas registrou o ministério dos setenta discípulos. Porém, o prefácio do evangelho de Lucas deixa — perfeitamente claro — que ele mesmo não era testemunha ocular, embora tivesse tido contato com muitas delas. Eusébio (História Eclesiástica, III.4) diz-nos que Lucas era nativo de Antioquia da Síria, e que os seus pais eram gentios (conforme também é indicado por Col. 4:11,14). Provavelmente se converteu desde cedo ao cristianismo, depois da inauguração dos primeiros esforços evangelísticos da igreja. A sua história, no livro de Atos, tem ligações iniciais com Paulo, em Tríade (ver Atos 16:10), onde a palavra nós subentende que naquele tempo o escritor era um dos companheiros do apóstolo.
a. Muitas fontes. Às fontes informativas foram muitas, tanto escritas como orais: Lucas declara em seu prólogo (Luc. 1:1-4) que fez umintenso estudo da narrativa evangélica a fim de ser capaz de escrever uma narrativa digna de confiança e convincente da verdade sobre a grandeza de Jesus. Consultou a muitos dos que tinham tido conhecimento,, em primeira mão das palavras e das ações de Jesus. Ê provável que muitos dos incidentes registrados no evangelho de Lucas (que não se encontram nos evangelhos de Marcos ou de Mateus), tal como o aparecimento de Jesus, após a sua ressurreição, aos discípulos de Emaús, foram acontecimentos registrados à base de apenas uma ou duas testemunhas. Uma delas é designada pelo nome, isto é, Cléopas, sendo provável que ele é quem tenha suprido a história. Deve ter havido muitas outras narrativas e afirmações de Jesus, supridas a Lucas, por diversas testemunhas oculares diferentes. As histórias sobre os últimos dias de Jesus, em Jerusalém, foram narradas por tais testemunhas oculares, e gradualmente assumiram a forma de uma narrativa contínua. Paulo menciona quinhentas testemunhas oculares da ressurreição de Jesus, pois viram-no em determinada ocasião; Marcos baseia sua crença no descobrimento feito pelas mulheres; Mateus acrescenta a isso o aparecimento de Jesus aos onze, na Galiléia. A narrativa de Lucas contém ainda mais pormenores, resultantes de suas pesquisas pessoais, — em vez de depender das tradições apresentadas nos evangelhos de Marcos e Mateus. Outro tanto pode-se dizer a respeito dos capítulos finais do evangelho de João, e talvez também do evangelho não-canônico de Pedro. As diferenças nas versões envolvem, principalmente, questões de conteúdo, ênfase e ordem de acontecimentos e disso não se pode deduzir qualquer coisa certa acerca da legitimidade histórica comparativa de cada narrativa.
b. Evangelho de Marcos. Quase universalmente se concorda hoje em dia que tanto Mateus como Lucas se utilizaram de Marcos como esboços históricos básicos de seus respectivos evangelhos. As razões para essa crença são dadas no artigo sobre o Problema Sinóptico,onde o leitor poderá encontrar pormenores sobre essa ideia. — As fontes informativas do evangelho de Marcos, são descritas na introdução àquele evangelho, pelo que essas fontes, em sentido secundário, também são fontes informativas empregadas por Mateus e por Lucas. Lucas omite maior porção de Marcos do que o fez Mateus (o que empregou cerca de noventa e três porcento do material de Marcos), ao passo que Lucas conta com cerca de sessenta por cento dos seiscentos e sessenta e um versículos do evangelho de Marcos, de mistura com seu próprio total de* mil, cento e quarenta e oito versículos. Portanto, Marcos contribuiu com cerca de um terço do conteúdo total do evangelho de Lucas. Lucas segue quase exatamente a ordem de acontecimentos do evangelho de Marcos, desviando-se apenas duas vezes em sua sequência histórica. No corpo de seu evangelho, Lucas usou cinco blocos de material do evangelho de Marcos, a saber: 4:31-44; 5:12 — 6:16; 8:27 — 9:50; 18:1543 e 19:28 — 22:13. Juntamente com essas porções, Lucas entremeou combinações dos materiais «L» e «Q», ou apenas do material «L». Os motivos de Lucas, para omitir o material de Marcos, em contraste com a atitude de Mateus, que o usou praticamente todo, talvez sejam os seguintes:
1.    Melhorar o estilo e o conteúdo do evangelho de Marcos, substituindo-o por algum outro material.
2.    Omitir incidentes secundários ou materiais considerados de relativa importância.
3.    Omitir incidentes que não pareciam e adaptar bem com a ordem e o propósito de seu evangelho, tal como a maldição contra a figueira (Mar. 11:12 —14,20-22).
A mais notável omissão do material de Marcos, por parte de Lucas, é o trecho de Mar. 6:45 — 8:26, o que alguns estudiosos chamam deA Grande Omissão. Essa seção encerra os seguintes incidentes: Jesus anda por sobre a água; curas operadas em Genezaré; controvérsia com os fariseus sobre a tradição dos anciãos; Jesus e a mulher siro-fenícia; cura do surdo-mudo, por meio de saliva; multiplicação dos pães para os quatro mil homens; controvérsia com os fariseus acerca de um sinal do céu; discurso em uma embarcação, quando Jesus e seus discípulos atravessavam o lago; e cura de um cego por meio de saliva. Alguns têm postulado uma forma mais antiga do evangelho de Marcos, chamado de protomarcos, que Lucas teria usado e que não encerrava esses incidentes, mas isso não parece provável. È possível que parte dessa seção não fizesse parte do protomarcos original, isto é, Mar. 8:1-26, posto que essa seção é paralela a 6:30 — 7:37 (Marcos), e ambas comecem com a multiplicação miraculosa de pães e terminem com a travessia do lago e uma discussão entre Jesus e os seus discípulos. E possível que ambas tivessem alicerce numa única narrativa, ou que ambas fossem realmente variações da mesma tradição, e que uma delas (8:1-26) fosse uma adição posterior. Mas, acerca disso, não podemos ter nenhum conhecimento certo, e mesmo que o tivéssemos, não explicaria as outras porções onde Lucas omite essa longa seção.
Abundam teorias sobre a razão pela qual ocorreu essa omissão, mas em realidade nada sabemos com absoluta certeza. Provavelmente Lucas dispunha de tanto material, para possível uso, apôs suas diversas pesquisas, que simplesmente teve de deixar de fora certas informações, para que seu evangelho não ficasse demasiadamente volumoso. Parte do material de Marcos foi omitido porque Lucas, nessas passagens, empregou outras fontes que apresentavam conteúdo similar. Essas passagens são: Mar. 1:16-20, a chamada de Simão, André, Tiago e João (Luc. 5:1-11, da fonte informativa «L»); Mar. 3:19b-30, a controvérsia sobre Belzebu (Lucas 11:14-26, da fonte informativa Q); Mar. 4:16-33, parábolas do crescimento secreto da semente e da semente de mostarda (Lucas 13:1821, da fonte Q); Mar. 7:1-6, rejeição de Jesus em Nazaré (Lucas 4:16-30, da fonte informativa L); Mar. 10:42-45, afirmações sobre a verdadeira grandeza (Luc. 22:15-27, da fonte informativa L); Mar. 12:28c-34, indagação sobre o grande mandamento, pelo escriba (Luc. 10:25-28, da fonte informativa £)’; Mar. 14:3-9, unção de Jesus em Bètânia(Luc. 7:36-39,44-50, da fonte informativa L).
c. Fonte informativa Q. Deriva-se do vocábulo germânico, quelle, que significa fonte. Cerca de um quinto do material do evangelho de Lucas se deriva da fonte de. tradições que se tem convencionado chamar de Q. Lucas usou esse material em comum com Mateus, mas é provável que muitas das «declarações» que há no evangelho de Lucas não façam parte desse documento, mas antes, representem outras fontes escritas ou orais às quais Lucas teve acesso. Talvez a base de grande parte desse material fosse os chamados oráculos do Senhor,supostamente obra do apóstolo Mateus; e, embora esse documento tivesse sido escrito em hebraico, com o que Papias queria dizeraramaico, não é impossível que também existisse uma tradução para o grego. A fonte Q quase certamente era um documento vazado no idioma grego. A proveniência de quase toda a fonte informativa Q provavelmente era palestiniana. Alguns têm suposto que Mateus usou Lucas, ou então que Lucas usou Mateus como fonte informativa, e que, por isso mesmo, aquilo que se chamou de fonte informativa Q é simplesmente uma cópia e adaptação de materiais que já existiam em forma escrita, em um ou outro desses dois evangelhos. Porém, os eruditos modernos, em sua maioria, duvidam dessa possibilidade. Outros duvidam da própria existência de Q. De qualquer maneira, as nossas declarações sobre «fontes» são tentativas e não dogmáticas.
d. Fonte informativa L. Esta é a fonte do evangelho de Lucas, por detrás dos materiais que se encontram somente nesse evangelho. Sua proveniência (tal como no caso da fonte informativa Q), provavelmente é palestiniana. Cerca de — quarenta por cento – do evangelho de Lucas se deriva dessa fonte informativa L, a qual, mui provavelmente, em realidade era uma combinação de tradições, tanto escritas quanto orais, algumas das quais certamente dependiam de uma única testemunha ocular qualquer. A fonte informativa L representa as pesquisas pessoais de Lucas nas questões que cercaram a vida e as declarações do Senhor Jesus, acerca das quais somos informados no prólogo do evangelho de Lucas. Incluso na fonte informativa L acha-se o documento de viagem, Luc. 9:51 — 18:4, que descreve como que uma lenta viagem da Galiléia até Jerusalém, onde são narrados muitos incidentes da vida de Jesus, como se tivessem ocorrido durante essa viagem. Entretanto, é provável que Lucas não quisesse que essa seção fosse assim compreendida, mas tão-somente estava expandindo o fiosso conhecimento sobre a vida terrena de Cristo. Foi provavelmente por acaso que essa seção foi posta no fim do material que Lucas tomou de Marcos por empréstimo, em cujo ponto a jornada a Jerusalém teve início. Tendo usado todo o material histórico de Marcos. Lucas ainda tinha muito a dizer, e, simplesmente, pôs tudo em um único bloco, nesse ponto, sem intenção alguma de tomá-lo parte de uma longa e lenta viagem a Jerusalém. Dessa fonte informativa L também se deriva o tratamento especial dado por Lucas à semana da paixão e às aparições de Jesus, após a sua ressurreição, que não se encontram nos outros evangelhos. Sua consideração especial para com as mulheres, para com o ladrão penitente, para com a forma como Jesus escapou da turba, em Nazaré, a extraordinária pesca de Simão, a ressurreição do filho da viúva de Naim, a cura de uma mulher aleijada, a cura de um homem que sofria de hidropisia» a cura de dez leprosos (com o grato samaritano que havia entre eles), tudo isso se deriva dessa fonte informativa. Essa tradição retrata Jesus como profeta, mestre e médico, tendo afinidades com a profecia judaica e sua literatura de sabedoria. A fonte informativa L era particularmente rica em parábolas. Existem treze parábolas contidas apenas no evangelho de Lucas. (Ver a lista na seção seguinte, intitulada Conteúdo, sob o subtítulo «Material encontrado só em Lucas»),
e. A influência de Paulo. É possível que certas das revelações dadas ao apóstolo Paulo tenham influenciado algumas expressões e conceitos básicos do evangelho de Lucas (tais como as que encontramos em Efé. 3:3; I Cor. 9:1 e 11:23). Parece haver certo paralelismonas palavras, e em tais comparações como Luc. 10:7 com I Cor. 10:27; Luc. 17:27-29 e 21:34,35 com I Tes. 5:2,3,6,7. Alguns também acreditam que a escolha de materiais, no evangelho de Lucas, especialmente a porção derivada da fonte informativa L, tenha sido influenciada pelos ensinamentos de Paulo, bem como da associação geral que Lucas teve com Paulo. Alguns eruditos têm negado essa influência, ou, pelo menos, têm-na diminuído grandemente, contudo, não podemos desconsiderá-la inteiramente.

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