Êxodo 6.14-27 é um longo parágrafo que registra os nomes dos três primeiros filhos dos doze que Jacó teve, suas primeiras gerações e descendentes, os quais se tornaram os chefes das várias subtribos pelas quais se reconheceu a descendência geneológica na época do Êxodo. Mas a maior atenção é dedicada à tribo sacerdotal de Levi e à linhagem de Arão e Moisés. A pesquisa conclui com as seguintes palavras: “Foi a este Arão e a este Moisés que o Senhor disse: ‘Tirem os israelitas do Egito, organizados segundo as suas divisões’. Foram eles, Moisés e Arão, que falaram ao faraó, rei do Egito, a fim de tirarem os israelitas do Egito” (v. 26, 27). Esses comentários certamente soam como os de um historiador, como memórias pessoais de Moisés; pelo menos é a suposição que faz a maioria dos críticos da Bíblia de persuasão subevangélica ou liberal. Entretanto, para os especialistas no campo da literatura comparada, o uso que um autor faz da terceira pessoa do singular, ao escrever suas próprias ações é questão de convenção literária estabelecida, que depende do gênero envolvido. Em certas modalidades, como na autobiografia, é costume a pessoa referir-se a si mesma na primeira pessoa do singular. Todavia, no caso de um registro histórico de maior destaque, era mais usual o autor referir-se a todos os demais em cena na terceira pessoa, em vez de na primeira, ainda que escrevesse a respeito de um ato em que estivesse envolvido pessoalmente.
Os numerosos registros históricos concernentes a vários reis do Egito e suas façanhas normalmente eram redigidos na terceira pessoa, exceto nos casos em que se mencionavam diretamente as palavras do próprio faraó. O historiador grego Xenofonte, em sua obra Anabasis, de modo característico refere-se a si mesmo na terceira pessoa; semelhantemente age Júlio César em suas obras Guerras gálicas eGuerras civis. No entanto, ninguém questiona a autenticidade das obras desses dois autores.
Além do mais, seria estranho ao leitor hebreu (bem como a nós, leitores modernos) se o autor subitamente colocasse a si mesmo dentro do texto em uma redação mais ou menos assim: “Estes forma os chefes das famílias dos levitas, conforme seus clãs. Fomos nós, na verdade, Moisés e Arão, a quem o Senhor dissera: ‘Tirem os israelitas do Egito…’. ‘Nós falamos ao faraó rei do Egito, a fim de tirarmos os israelitas do Egito’.” (Êx 6.25, 26). Nada poderia soar mais estranho que essa súbita intrusão de formas da primeira pessoa no meio de um relato tão objetivo. Daí deduzir-se que a confirmação às convenções usuais que governam o gênero da narrativa histórica não dá evidências contra a autoria mosaica desses versículos.
Quanto a Êxodo 16.33, 34, aplica-se o mesmo princípio: “Então Moisés disse a Arão: ‘Ponha numa vasilha a medida de um jarro de maná, e coloque-a diante do Senhor, para que seja conservado para as futuras gerações’. Em obediência ao que o Senhor tinha ordenado a Moisés, Arão colocou o maná junto às tábuas da aliança, para ali ser guardado”. Qualquer historiador, de modo especial um que não fosse monarca do Egito ou da Mesopotâmia, cheio de jactância, registraria atos em que estivesse pessoalmente envolvido usando um estilo objetivo semelhante a esse. Moisés estava escrevendo um documento oficial para benefício de toda a nação. Ele não tinha a intenção de converter seu registro num memorial de auto-exaltação.
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