O fato é que muitos gostariam de unir igreja e palco, baralho e oração, danças e ordenanças. Se nos encontramos incapazes de frear essa enxurrada, podemos, ao menos, prevenir os homens quanto à sua existência e suplicar que fujam dela. Quando a antiga fé desaparece e o entusiasmo pelo evangelho é extinto, não é surpresa que as pessoas busquem outras coisas que lhes tragam satisfação. Na falta de pão, se alimentam com cinzas; rejeitando o caminho do Senhor, seguem avidamente pelo caminho da tolice.Charles Haddon Spurgeon
No “final do século XIX… a ‘Era da Exposição’ começou a passar, e os primeiros sinais de sua substituição começaram a ser percebidos. Em seu lugar surgiu a ‘Era do Show Business”’.
Enquanto Charles Spurgeon batalhava na Controvérsia do Declínio, uma tendência mundial começava a emergir, a qual estabeleceria o curso dos afazeres humanos em todo o século XX. Era o surgimento do entretenimento como o centro da vida familiar e cultural. Essa mesma tendência viu o declínio do que Neil Postmanchamou de a “Era da Exposição”, cuja característica era uma ponderada troca de ideias, de forma escrita e verbal (pregação, debates, preleções). Isso contribuiu para o surgimento da “Era do Show Business’” — na qual a diversão e o entretenimento se tomaram os aspectos mais importantes e que mais consumiriam o tempo de conversa das pessoas. Dramatização, filmes e, finalmente, a televisão colocaram o “show business” no centro de nossas vidas — em última análise, bem no centro de nossa sala de estar.
No “show business”, a verdade é irrelevante; o que realmente importa é se estamos sendo ou não entretidos. Atribui-se pouco valor ao conteúdo; o estilo é tudo. Nas palavras de Marshall McLuhan, o veículo é a mensagem. Infelizmente, hoje essa forma de pensar norteia tanto a igreja quanto o mundo.
Em 1955, A.W. Tozer escreveu as seguintes palavras:
Durante séculos a igreja manteve-se firme contra toda forma de entretenimento mundano, reconhecendo-o como um dispositivo para se perder tempo, um refúgio contra a perturbadora voz da consciência, um plano para se desviar a atenção da prestação de contas quanto à moral. Por manter sua posição, ela sofreu abusos por parte dos filhos deste mundo. Ultimamente, entretanto, ela se cansou de ser abusada e simplesmente desistiu da luta. Parece ter firmado a posição de que, se não pode vencer o deus do entretenimento, o que melhor pode fazer é unir suas forças às dele e aproveitar o máximo de seus poderes. Por isso, contemplamos hoje o assombroso espetáculo de milhões de dólares sendo vertidos no negócio nada santo de prover entretenimento mundano aos chamados filhos dos céus. O entretenimento religioso está, em muitos lugares, rapidamente desalojando as sérias coisas de Deus. Muitas igrejas, em nossos dias, se tornaram nada mais que pobres teatros onde “produtores” de quinta categoria mascateiam suas mercadorias de baixo valor com plena aprovação dos líderes evangélicos, que chegam a citar textos bíblicos para justificar tal delinquência. E é difícil acharmos alguém que ouse levantar sua voz contra isso.
De acordo com os padrões da atualidade, as questões que tanto inflamaram as paixões de Tozer parecem insignificantes. Por exemplo, igrejas estavam atraindo pessoas para seus cultos de domingo à noite através da apresentação de filmes cristãos.
Encontros de jovens eram realizados tendo como atração a música contemporânea e palestrantes cuja especialidade era o humor. Jogos e atividades onde se gasta muita energia passaram a desempenhar um papel chave no trabalho com os jovens das igrejas. Olhando para trás, parece difícil entendermos a angústia de Tozer. Raramente alguém hoje fica chocado ou preocupado com quaisquer métodos que pareciam radicalmente inovadores nos anos cinquenta. Á maioria deles é hoje vista com naturalidade.
Entretanto, Tozer não estava condenando jogos, estilos musicais ou filmes em si mesmos. Ele estava perplexo a respeito da filosofia que estava por trás do que vinha acontecendo à igreja. Ele soou o alarme contra a mortal mudança de enfoque. Contemplou os evangélicos fazendo uso do entretenimento como uma ferramenta para o crescimento da igreja, acreditava que isso equivalia à subversão das prioridades da igreja. Temia que os desvios frívolos e as diversões carnais na igreja, em última análise, destruiriam o apetite das pessoas pela verdadeira adoração e pela pregação da Palavra de Deus.
Tozer estava certo quanto a isso. Aliás, a sua repreensão revela-se a cada dia mais apropriada, na medida em que a igreja se aproxima do final do século. Ele e Spurgeon, que o precedeu, estavam identificando uma tendência que desabrochou por completo em nossa geração. Aquilo com o que a igreja flertava à época de Spurgeon tomou-se fascinação na época de Tozer. Atualmente, tornou-se uma obsessão. E o que é mais prejudicial ainda é que as formas de entretenimento encontradas hoje na igreja são, com frequência, completamente seculares, destituídas de qualquer aspecto cristão.
Um artigo escrito no The Wall Street Journal descreveu a proposta de uma conhecida igreja no sentido de “reanimar a assistência aos cultos dominicais noturnos”. A igreja “exibiu uma luta livre entre seus empregados. Tendo em vista a preparação para o evento, dez funcionários foram instruídos por Tugboat Taylor, um ex-lutadorprofissional, em puxar os cabelos, chutar os queixos dos outros e arremessar seus corpos ao chão sem lhes causar qualquer dano”. Isto não trouxe dano físico algum aos funcionários da igreja, mas qual o efeito de tal exibição sobre a mensagem anunciada por aquela igreja? O evangelho não se torna deturpado e pessimamente caricaturado por esse tipo de palhaçada? Você pode imaginar o que Spurgeon ou Tozer teriam pensado a respeito disso?
Essa luta livre não é um exemplo obscuro de alguma igreja desconhecida e excêntrica da periferia. O episódio aconteceu em um culto de domingo à noite em uma das cinco maiores igrejas evangélicas dos Estados Unidos. Outros exemplos poderiam ser citados de várias das mais destacadas igrejas, supostamente pertencentes aos principais grupos da ortodoxia evangélica.
Alguns afirmarão que, se os princípios bíblicos forem apresentados, o instrumento para fazê-lo não é importante. Isso é bobagem. Se o entretenimento é a chave para conquistar pessoas, por que não sairmos completamente do prumo? Por que não termos um verdadeiro carnaval? Poderíamos contar com um acrobata tatuado, andando sobre um fio bem alto, fazendo malabarismos com as mãos e recitando versículos bíblicos, enquanto um cão treinado se equilibraria em sua cabeça. Isso certamente atrairia uma multidão. E o conteúdo da mensagem ainda seria bíblico. É um cenário bizarro, mas ilustra bem como o veículo pode baratear e corromper a mensagem.
Infelizmente, isso não é tão diferente do que está, de fato, sendo realizado em algumas igrejas. Parece não haver limites com relação ao que alguns líderes da igreja moderna farão, a fim de atrair pessoas que não se interessam por adoração e pregação. Muitos já se renderam à ideia de que a igreja precisa conquistar os homens através do oferecer-lhes uma forma alternativa de entretenimento.
Até que ponto a igreja irá em sua competição com Hollywood? Uma grande igreja do sudoeste dos Estados Unidos acaba de instalar um sistema de efeitos especiais, que custou meio milhão de dólares, capaz de produzir fumaça, fogo, faíscas e luzes de laser no auditório. A igreja enviou alguns de seus membros para estudar, ao vivo, os efeitos especiais do Bally’s Casino, em Las Vegas. O pastor terminou um dos cultos sendo elevado ao “céu” por meio de fios invisíveis que o tiraram da vista do auditório, enquanto o coral e a orquestra adicionavam um toque musical à fumaça, ao fogo e ao jogo de luzes. Para aquele pastor, tudo não passou de um típico show dominical: “Ele lota a sua igreja através desses artifícios especiais, tais como derrubar uma árvore com uma serra para ilustrar um ponto de sua mensagem… realizar o maior espetáculo de fogos do 4 de julho da cidade e um culto de Natal com um elefante, um canguru e uma zebra alugados. O show de Natal apresenta 100 palhaços com presentes para as crianças da igreja”.
Bobagens desse gênero teriam sido o conteúdo dos piores pesadelos de Spurgeon. Até mesmo Tozer não poderia ter previsto o extremo ao qual os evangélicos chegariam em render homenagens ao grande deus entretenimento.
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