É Gênesis 49.10 na verdade uma predição de Cristo? Qual é o sentido real de Siló?


Gênesis 49.10 é o verso de uma estrofe das profecias de Jacó, a respeito de seus doze filhos. De Judá se fala nos versículos de 8 a 12. Essa tribo é apresentada em termos que dão idéia de elementos bélicos, quando lemos, por exemplo: “Sua mão estará sobre o pescoço dos seus inimigos” (v. 8), e “Judá é um leão novo [...] como um leão [...] quem tem coragem de acordá-lo?” (v. 9). O versículo 10 enfatiza o papel futuro de Judá como líder real sobre todas as demais tribos de Israel e, possivelmente, sobre nações estrangeiras também. Lemos o seguinte: “O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus descendentes, até que venha aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obedecerão [‘ammîm]“. Há grande ênfase na bravura militar e no status real dessa tribo estabelecida como a principal, havendo afirmação clara de que esse aspecto de realeza prossiga até o aparecimento da figura-chave a que se dá a denominação de Siló. O cetro e o bastão de legislador (meḥōqēq) estarão nas mãos dessa tribo até que venha o pacificador.

Surge, porém, a pergunta: Quem ou o que é Siló? O Targum aramaico traduz o versículo 10 assim: “Até que venha o Messias, a quem pertence o reino”. Parece que isso identifica Siló como sendo um título do Messias, mas aponta também para uma interpretação desse nome que envolve a frase “quem a ele” ou “a quem”. A lxx, que data do século iii a.C, traduz assim essa cláusula: “Até que venham as coisas que foram preparadas (apokeimena) para ele”. Isso sugere que šîlōh era interpretado como se houvesse uma pontuação vocálica diferente, ie., šellô (“alguém a quem”). As traduções do grego, de Áquila e Simaco, do século ii d.C redundaram num texto mais sucinto: “[aquele] para quem se estocou”, ou “se reservou”, usando-se o mesmo verbo grego, mas na forma apokeitai. Vulgata de Jerônimo fê-lo derivar (incorretamente) do verbo šālaḥ (“enviar”) e traduziu: “o que está prestes a ser enviado” (qui mittendus est).
Entretanto, é lícito afirmar-se que a maior parte das autoridades modernas, formada tanto de conservadores quanto de liberais, tende a preferir esta tradução: “aquele a quem [pertence]“, fazendo com que o regente vindouro seja o antecedente, e o “cetro”, o objeto que lhe pertence. Em outras palavras, traduzem o trecho desta forma: “O cetro não sairá de Judá [...] até que venha aquele a quem ele pertence; e a ele todos os povos tributarão obediência”.
Entretanto, se esse termo se refere à palavra mística aplicada ao Messias (algo como o nome de Jesurum, que se aplica à nação de Israel [Dt 32.15; algumas versões trazem: "o meu amado", em vez de Jesurum]) ou deve ser entendido como “quem a ele” (šellô), então é clara a alusão ao Messias e também, talvez, a Davi, o tipo ancestral de Cristo, o Rei. (Entretanto, relacionar tal promessa ao segundo rei de Israel estabelece a grande dificuldade de que o cetro na verdade não saiu de Judá, quando Davi chegou; ao contrário, o cetro só “começou” a ser brandido por essa tribo quando o filho de Jessé assumiu o trono e a coroa do reino de Israel.)
Não podemos encerrar esta discussão sem mencionar uma passagem paralela bastante intrigante — Ezequiel 21.27 (32 heb.), que aparentemente se refere a Gênesis 49.10: “Desgraça! Desgraça! Eu farei dela uma desgraça [i.e., a Jerusalém, prestes a ser atacada por Nabucodonosor em 588 a.C.]. Não será restaurada [ou "não acontecerá" (lō hāyāh)], enquanto não vier aquele a quem ela pertence por direito [lit., "aquele a quem o julgamento" (ašer lô hammišpāṭ)]; a ele eu a darei”. Dificilmente a semelhança dessa redação seria acidental, ašer lô é o texto normal equivalente a šellô (“que a ele”). Na declaração de Ezequiel, encontramos hammišpat (“o direito de julgamento”), substituindo o conceito afim de “cetro” (sete) em Gênesis 49.10. Portanto, se Ezequiel 21.27 tenciona edificar sobre o alicerce de Gênesis 49.10 e revelar sua aplicação última ao Messias — como é certo que parece aplicar-se em Ezequiel — que descenderá da casa real de Judá, estaremos pisando em solo firme ao interpretar Gênesis 49.10 como sendo uma referência ao Filho divino, Jesus Cristo, o descendente messiânico de Davi.

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