Autoria; Confirmação Antiga; Critica Moderna


Do ponto de vista do vocabulário e do estilo em geral, Filemom se posta ao lado de Romanos, Coríntios, Gálatas e Filipenses. A personalidade de Paulo transparece ali fortemente, e, nos tempos antigos, a sua aceitação como paulina era unânime. «Nenhum erudito moderno de reputação duvida de sua autenticidade… a epístola nos destaca um momento dramático na vida de Paulo, como nenhum escritor posterior teria a habilidade ou o motivo de inventar». (John Knox).
Confirmação antiga. Essa epístola foi incluída no «cânon» de Márcion, o que assinalou o começo da canonização dos livros do N.T. Também figura no cânon muratoriano, e é evidentemente aludida por Inácio (Efé. ii; Mag. xii; Polyc. vi), o que, embora um tanto vago, por ser revestida de linguagem levemente diferente, parece ser um autêntico «empréstimo». Inácio apela para um certo Croco, para que lhe fosse permitido permanecer em sua companhia, mais ou menos ao estilo em que Paulo apela em favor de Onésimo. Certamente trata-se de um empréstimo das ideias de Paulo em seu apelo. Embora o apelo de Inácio não fosse em favor de algum escravo fugitivo, mas simplesmente pelo privilégio de reter em sua companhia um bom obreiro, que o acompanhasse a Esmirna, tendo sido colaborador na igreja de Éfeso, contudo, a influência da epístola paulina a Filemom resplandece através daquela. A epístola de Inácio aos Efésios tem vinte e um capítulos; e apesar dessa influência parecer mais marcante no segundo e no terceiro capítulos, todavia, alguma influência pode ser discernida nos primeiros seis capítulos. Nesses capítulos há catorze referências a «Onésimo» (o bispo de Éfeso, naquele tempo, 110 D.C., aproximadamen­te), ou por nome ou por ofício. Por essa razão, pensa-se que foram feitas alusões propositais à epístola de Paulo a «Onésimo», o que teria impressionado o bispo de Éfeso que tinha esse nome. Alguns estudiosos creem que esse Onésimo e aquele Onésimo citado por Paulo são uma só pessoa; e, nesse caso, as alusões frequentes de Inácio, à epístola de Paulo que tinha esse nome, são bem naturais. Esse uso que Inácio faz da epístola a Filemom mostra-nos qué ela era bem conhecida, pelo menos para alguns elementos da igreja primitiva. Era reputada como escrito paulino autoritário, ainda que na época não houvesse canonização formal de qualquer dos livros do N.T.
A versão siríaca antiga e a antiga versão latina trazem essa epístola como parte da coletânea paulina, o que nos dá testemunho a seu respeito desde 150 D.C. Tertuliano alude diretamente a ela, sendo o primeiro a fazê-lo (Adv. Marc. v.42). Orígenes declarou-se em favor dela (Hom. in Jer. 19; Comm. in Mat. tract 33,34), como também o fez Eusébio (.História Eclesiástica iii.25), referindo-se àquela epístola como parte dos livros que todos aceitavam ser de autoria paulina.
Jerônimo nos apresenta a única nota discordante na antiguidade, não de sua própria feitura, mas ao mencionar que algumas pessoas, que ele não identificou, rejeitavam a autoria paulina da epístola a Filemom, sob a alegação de que não trata de assunto digno do grande apóstolo, não possuindo quaisquer instruções e doutrinas importantes. Jerônimo responde a essa objeção salientando que todas as epístolas autênticas de Paulo têm certa porcentagem de tal material. Informação similar nos é dada por Crisóstomo. Pode-se ver, pois, que a confirmação antiga da epístola a Filemom é igual àquela conferida às outras epístolas totalmente aceitas como de Paulo e nos tempos modernos, há uma confirmação similar.
Critica moderna. O único ataque realmente sério contra a autenticidade paulina da epistola a Filemom foi feito por Baur (Ferdinand Cristian, da escola de Tubingen), cuja real razão para a sua rejeição parece ter sido que ele rejeitava como paulina as epístolas aos Colossenses e aos Efésios; e, posto que essa epístola faz parte do mesmo grupo, ele também a repelia. Sua objeção expressa é que ela não contém temas paulinos familiares, nem doutrinas, nem pontos éticos, o que é comum nos seus escritos, porém, em uma epístola tão breve como esta, que visa a um único propósito específico, dificilmente poderia conter algo que se assemelhasse à epístola aos Romanos, por exemplo.
A tendência de Holtzmann era a de aceitá-la, mas ele pensava que os versículos quarto a sexto mostram a mão do autor da epístola aos Efésios, e não a mão de Paulo. Weizsacker (Apostl. Zeital., pág. 545), pensava que o jogo de palavras no nome Onésimo (útil), provava que essa epístola era uma alegoria. Steck cria que essa epístola foi essencialmente um empréstimo de alguma carta ou cartas de Plínio, o Moço. Todas essas idéias, porém, não têm sido aceitas com seriedade pela vasta maioria dos eruditos modernos, de qualquer escola que sejam eles, porquanto tais idéias são produtos do hipercriticismo ou da imaginação fantasiosa.
«De fato, essa breve epístola a Filemom é tão intensamente original, tão inteiramente inocente de preocupações dogmáticas, e a mente de Paulo deixou uma impressão tão vívida e indelével sobre ela, que só pode ser repelida por ato de violência. Vinculada desde o principio às epistolas aos Colossenses e aos Efésios, é virtualmente a própria assinatura de Paulo, acrescentada como sua garantia, de que as acompa­nharia através dos séculos». (The Apostle Paul, Sabatier). Ê com esse parecer que praticamente todos concordam.
Importância da epístola a Filemom, em relação à «coletânea paulina». Alguns têm dito que se Onésimo foi bispo de Éfeso, antes e até 110 D.C., que a primeira tentativa de coligir os escritos de Paulo pode ter sido supervisionada por ele, e que, como uma espécie de «epístola de apresentação» da coletânea, Onésimo teria composto a epístola aos Efésios. A própria epístola a Filemom teria sido uma espécie de assinatura do colecionador, adicionada à coletânea inteira, já que envolvia a sua própria pessoa. Já a epístola aos Efésios teria sido a sua tentativa de encerrar, em um único documento, as principais ideias paulinas, dessa maneira revivendo e conservan­do o interesse pelas epístolas paulinas. Onésimo teria considerado a composição da epístola aos Efésios e o recolhimento das epístolas de Paulo, como um serviço devotadamente prestado ao apóstolo. Naturalmente, essa teoria jamais poderá ser confirmada; mas deixa subentendida a grande importância da pessoa de Filemom, que teria sido um forte impulso por detrás da formação do primeiro cânon; pois Márcion, ao formar o seu cânon, provavelmente apenas se aproveitou da coletânea que Onésimo reunira. E assim Onésimo, que fora «útil» para Paulo (ver File. 11), pode ter-se tomado útil para ele, e para a igreja inteira, de maneira totalmente não antecipada por Paulo, pois ele deu ao mundo as epístolas de Paulo, uma contribuição de gigantescas proporções.
Contra essa ideia, porém, ergue-se o fato de que devemos supor que Onésimo foi poderoso escritor, tendo ultrapassado o próprio Paulo em alguns particulares, se realmente ele é considerado autor da epistola aos Efésios. Poderia ter sido ele homem de tão grande poder literário? Talvez seja possível, mas não é provável. Contudo, ele poderia ter sido o responsável pela coletânea, mesmo que a epístola aos Efésios já fizesse parte dela, não tendo sido escrita por ele, portanto. A preservação dessa minúscula epistola teria sido natural se o «colecionador» das epístolas paulinas fosse tema da mesma. Esse estaria interessado em sua preservação, ao passo que, se não fosse a sua influência, não teria sido reputada digna de ser preservada. Se há qualquer verdade nessa teoria, provavelmente nunca o saberemos. Se a primeira coleção das epístolas de Paulo teve lugar em Eféso, e se o «Onésimo» de Inácio e o de Paulo eram uma única pessoa, então essa teoria provavelmente está com a verdade.

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