Autor do Evangelho de Marcos


Observações Gerais:
Embora o evangelho de Marcos, certamente, seja o evangelho original (dentre os que possuímos no N.T.), figura como o quadragésimo primeiro livro em nossa Bíblia, colocado após o evangelho de Mateus, provavelmente porque Agostinho e outros entre os primeiros comentadores consideraram-no uma condensação do evangelho de Mateus. Nenhum erudito moderno de nome apega-se atualmente a essa teoria, e uma universalidade virtual tem sido agora conferida à ideia já bem demonstrada de que o evangelho de Marcos foi escrito antes do de Mateus, do de Lucas e do de João. O evangelho de Marcos é designado pelo nome de sinóptico porque, juntamente com o de Mateus e o de Lucas, apresenta uma narrativa similar da vida e do ministério do Senhor Jesus, fazendo contraste nisso com o evangelho de João, cujo conteúdo é bastante diferente, tanto no tocante ao esboço histórico como nos acontecimentos e ensinamentos ali apresentados. Os três evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas «veem juntos» as ocorrências, razão pela qual são chamados pelo termo «sinópticos». «Essa designação não significa que à base deles (em contraste com o quarto evangelho) possamos obter uma sinopse da vida de Jesus e, sim, que estão de tal maneira relacionados uns com os outros que poderiam ser impressos em colunas paralelas, com pouquíssima distorção, o que nos leva à admiração… Em contraste com esses três… avulta o quarto, o de João». (Morton Scott Enslin, Literature of the Christian Movement, Harper and Brothers, Nova Iorque, pág. 372, parte III).
O evangelho de Marcos não apresenta a si mesmo como uma biografia, conforme esse vocábulo é comumente usado, mas é, antes, uma narrativa ou esboço breve, ainda que altamente dramática, que tem como seu tema central retratar a Jesus como operador de milagres, como o profeta e o Messias, e também como ele veio a ser crucificado, e ainda, como podemos ter a esperança de vida eterna na pessoa dele. Cerca de vinte por cento da narrativa inteira está dedicada à «semana da paixão», porquanto é essencialmente nesse ponto, na grandiosa história do triunfo de Jesus sobre a morte, que o cristianismo deriva a sua significação sem-par.
A mais notável fraqueza do evangelho de Marcos consiste — na ausência — dos ensinamentos de Jesus, por tratar-se, essencialmente, de uma descrição das operações miraculosas do Senhor Jesus. Esse fato requer a existência de outros evangelhos, e são os evangelhos de Mateus e de Lucas (juntamente com o de João) que preenchem essa lacuna, ao mesmo tempo que (mas só na caso dos dois outros evangelhos sinópticos) fica preservado o esboço histórico geral exposto pelo evangelho de Marcos.
Autor
A tradição eclesiástica mais antiga, no tocante à origem ou autoria do evangelho de Marcos, é aquela que nos é fornecida por Papias,bispo de Hierápolis em cerca de 140 D.C. Encontramos citações de suas palavras na obra de Eusébio, primeiro entre os historiadores da Igreja. A seção 111.39.15 de sua História Eclesiástica diz o seguinte:
«Isto o presbítero também costumava dizer: ‘Marcos, que realmente se tornou o primeiro intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, tanto quanto podia relembrar, sobre as coisas feitas ou ditas pelo Senhor, embora não em ordem’. Pois ele nem ouvira ao Senhor nem fora seu seguidor pessoal, mas em período posterior, conforme eu disse, passara a seguir a Pedro, que costumava adaptar os ensinamentos às necessidades do momento, mas não como se estivesse traçando uma narrativa corrente dos oráculos do Senhor, de tal forma que Marcos não incorreu em equívoco ao escrever certas questões, conforme podia lembrar-se delas. Pois tinha apenas um objetivo em mira, a saber, não deixar de fora coisa alguma das coisas que ouvira e não incluir entre elas qualquer declaração falsa».
Não temos meios de saber que proporção dessa citação foi extraída do «presbítero» que Papias empregava como sua fonte de informação, ou qual proporção consiste de suas próprias palavras. Frederick C. Grant («The Earliest Gospel», Nova Iorque e Nashville, Abingdon-Cokesbury Press, 1943, pág. 34) expressa a opinião de que somente as linhas introdutórias são, realmente, palavras do «presbítero». Seja como for, isso constitui a declaração mais antiga e autorizada que possuímos acerca da autoria do evangelho de Marcos, além de nos fornecer alguns importantes pormenores sobre como o material foi manuseado e apresentado.
Outras autoridades antigas têm expressado ideias semelhantes, mas o mais provável é que todas elas se alicerçaram nessa tradição. Irineu, bispo de Lião (Contra as Heresias, III. 1.1) declarou: «Após o falecimento (de Pedro e de Paulo), Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, pessoalmente deixou-nos em forma escrita aquilo que Pedro proclamara». Não possuímos o livro (5 volumes), de Papias,«Interpretação dos Oráculos do Senhor», pelo que nos é impossível obter meios para aquilatar, em primeira mão, quão digna de confiança é essa declaração, mas a verdade é que Eusébio não ficara impressionado com a sua inteligência, e disse que ele possuía uma «mente muito pedestre». Algum dia a arqueologia talvez desenterre das areias do Egito uma cópia dessa obra, e julgamentos mais bem fundamentados poderão ser feitos sobre essa importante questão.
Multos eruditos modernos não aceitam com entusiasmo, sem maiores investigações, essas declarações de Papias. Kirsopp Lake cria que o próprio Papias estava apenas conjecturando, e muitos eruditos se têm agarrado a essa declaração, como se ela tivesse alguma estranha autoridade. Poder-se-ia dizer melhor que Lake estava apenas conjecturando que Papias estava conjecturando. Parece que Papias estava em melhor posição histórica para conjecturar do que Lake.
É verdade que Papias viveu cerca de cem anos depois do evangelho de Marcos ter sido escrito, pelo que não poderia ter tido perfeito conhecimento. Mas apesar de ter escrito relativamente tarde, não é impossível que ele tivesse acesso a alguma tradição genuína que ressaltava Marcos como o autor do evangelho original (canônico). Seja como for, a tradição eclesiástica comum é que Marcos foi seu autor. Outrossim, o «Marcos» referido sempre foi tido como o João Marcos de Atos e das epístolas paulinas. (Ver Atos 15:37; Col. 4:10; II Tim. 4:11 e I Ped. 5:13). Apesar de que o sobrenome latino Marcus era comum, e que Papias podia estar pensando em algum outro Marcos, se ele tivesse querido indicar outro, fora da tradição do N.T., quase certamente no-lo teria informado. Suas várias menções doMarcos envolvido levam-nos, naturalmente, a pensar no Marcos das narrativas neotestamentárias.
1.    Já que o evangelho não identifica seu autor, de fato, é obra anônima.
A aceitação ou rejeição da autoria marcana, pois, deve repousar sobre a opinião que alguém faz de quão fidedigna é a tradição eclesiástica, no tocante a esse particular, sobretudo acerca de «Quão bem informado estava Papias?»
2.    A data antiga de Marcos (que tem evidência recente) assegura-nos que o evangelho repousa firmemente sobre a autoridade apostólica. Portanto, sem importar se João Marcos o escreveu ou. não, o livro é autoritário e, segundo cremos, é inspirado. Certamente Deus teve sua mão sobre esse evangelho original da coleção canônica. (Ver uma discussão sobre a «data», seção 2 deste artigo).
3.    Considerando a evidência pró e contra, no tocante à autoria marcana, não hesitamos em aceitar a tradição antiga de que João Marcos foi, de fato, o autor do evangelho que tem seu nome. Realmente, não há evidência sólida contra essa crença.
4.    Tal como no caso de — todos — os livros disputados do N.T., e até de todo o N.T., o real problema que enfrentamos não é «quem escreveu este livro» e «quem escreveu aquele livro», mas antes: Praticamos os seus preceitos? De que vale que João Marcos tenha produzido um retrato imortal de Cristo, se este não é o Senhor de nossa vida?

Nenhum comentário: