As Epístolas de Paulo


A mais completa coleção das epístolas paulinas consistiria de catorze livros, o que incluiria também a epístola aos Hebreus, ainda que, no seu próprio bojo, não se encontre qualquer declaração nesse sentido, isto é, que foi escrita pelo apóstolo Paulo. O estilo e o vocabulário da epístola aos Hebreus (coisas extrema­mente difíceis de serem copiadas ou imitadas) não são paulinos, mas alguns eruditos modernos, que francamente formam a minoria, ainda se inclinam por incluir essa epístola dentro da coleção dos escritos desse apóstolo. (Ver o artigo sobre Hebreus, que desenvolve esse tema em geral, sob o título Autoria). A epístola aos Efésios também é posta em dúvida como de autoria de Paulo, parcialmente em face das mesmas considerações que, aplicadas à epístola aos Hebreus, deixam-na de lado—questões de estilo e vocabulário. Igualmente, os mais antigos manuscritos existentes dessa epístola não contêm as palavras «…em Êfeso…», porquanto tais palavras foram supridas por escribas subsequentes. Alguns eruditos chegam mesmo a duvidar que Paulo tenha enviado alguma espécie de «carta circular», como alguns têm dito ter sido o caso da epístola aos Efésios, como um caso único, a fim de explicar a ausência do destino da mesma. Por essa razão é que muitos crêem que tal epistola foi escrita por algum discípulo de Paulo, talvez como carta de introdução às demais, a fim de reviver o interesse pela literatura paulina, quando tal interesse já ia arrefecendo. No entanto, todas essas considerações não passam de pura especulação. O problema, em sua inteireza, é ventilado com abundância de pormenores, no artigo sobre aquele livro.
Temos ainda que levar em conta o Caso dás chama­das epístolas pastorais (I e II Timóteo e Tito) que segundo alguns, não parecem ter sido de autoria paulina, em face de considerações de vocabulário e estilo, além do fato de que transparece certo desenvolvimento «eclesiástico», que muitos pensam refletir mais um período posterior ao do apóstolo Paulo. Por esses motivos muitos pensam que apesar dessas epístolas conterem muita informação valiosa, sobre os últimos anos de vida do apóstolo dos gentios, o seu verdadeiro autor deve ter sido algum de seus discípulos. Devemos lembrar-nos que, naqueles dias da antiguidade, não era considerado um erro ou plágio, escrever em nome de outro indivíduo, mas, bem pelo contrário, esse era um costume perfeitamente comum. Isso fica demonstrado pelo fato de que a coleção de livros apócrifos do N.T. conta com mais de cem livros, todos eles escritos em nome de algum dos apóstolos ou de outros dos primitivos cristãos, de maior vulto. O mesmo tipo de atividade literária prevalecia no mundo não-bíblico. Fazendo um sumário do que já dissemos sobre as epístolas de Paulo, nove livros chegaram até nós que gozam de uma aceitação quase universal como de sua autoria, a saber, Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom. Dentre essas nove epístolas, quatro são aceitas sem discussão, universalmente, como saídas da pena do apóstolo dos gentios, sendo os escritos paulinos reputados clássicos, a saber, Romanos, Gálatas, I e II Corintios.
Com base nos diversos Informes cronológicos de que dispomos, nas próprias epístolas de Paulo (sobretudo a epístola aos Gálatas), como também com base no livro de Atos, ficamos sabendo que Paulo já vinha sendo um missionário cristão por determinado número de anos, provavelmente doze anos ou mais, antes de ter ele escrito qualquer livro canônico. Se a epístola aos Gálatas foi a mais antiga de todas as epístolas paulinas, (conforme a posição tomada por esta obra), então mui provavelmente catorze anos já havia se passado, depois de sua conversão, antes que Paulo escrevesse a sua primeira epístola inspirada, ou, pelo menos, essa é a primeira epístola sobre a qual temos algum conhecimento. (Ver Gál. 2:1 e s). Ê provável que a «visita» referida nessa passagem, tivesse sido a chamada visita da fome, e não a «visita do concílio», ou, em outras palavras, a visita referida no décimo primeiro capitulo do livro de Atos, e não aquela outra aludida no décimo quinto capitulo desse livro. Assim sendo, é provável que Paulo tenha escrito sua epístola aos Gálatas algum tempo entre os acontecimentos registrados nesses dois capítulos citados do livro de Atos, ainda que antes do concílio de Jerusalém. Quanto ao ministério de Paulo na Galácia, ver Atos 13:13. Quanto a outros detalhes sobre a epístola aos Gálatas, como o mais antigo livro de Paulo, ver o artigo sobre aquele livro, sob o título Data). Tradicionalmente, as duas epístolas aos Tessalonicenses são consideradas como os mais antigos livros paulinos, e é bem possível que tivessem sido escritas pouco depois da epístola aos Gálatas. (Ver Atos 17:1 e s).
Pode-se supor, através da leitura do parágrafo acima, que pelo tempo em que Paulo escreveu a sua primeira epístola, ele já era um missionário e apóstolo de larga experiência, porquanto os seus escritos, desde o começo, refletem grande maturidade e solidez nas doutrinas, embora tenhamos de admitir que as chamadas epistolas da prisão (Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom) refletem um conhecimento ainda mais maduro sobre a igreja cristã e sobre o destino humano em geral, provavelmente como resultado de maiores revelações, recebidas por Paulo, já perto do fim de sua existência terrena.
Todas as epístolas canônicas de Paulo, que chegaram até nós, devem ter sido escritas durante um período que cobriu dezoito anos, de conformidade com a cronologia que podemos depreender do livro de Atos e das próprias epístolas paulinas. Isso deve ter acontecido entre 50 e 68 D.C., ainda que a epístola aos Gálatas possa ser datada até mesmo em 49 D.C. O  Apóstolo Paulo escreveu as suas epístolas principalmente para resolver dificuldades e questões locais, nas congregações cristãs; e a maioria dessas epístolas tem uma natureza eminentemente prática, aplicando-se de imediato às situações daqueles para quem o apóstolo escreveu. Portanto, essas epístolas são todas elas cartas, no sentido mais verdadeiro da palavra, e não «epístolas», vocábulo esse que usualmente indica uma missiva mais longa e formal, escrita com a finalidade de expor certas ideias. Não obstante, na forma em que chegaram até nós, como parte integrante do N.T., como parte do «cânon» neotestamentário, sendo os alicerces básicos de várias doutrinas e práticas do cristianismo, bem podem ser designadas pelo seu título mais formal de «epístolas». Assim sendo, sem importar se o apóstolo Paulo as escreveu originalmente para prover um núcleo para a nova literatura cristã, ou para servir de fontes informativas que familiarizam os próprios cristãos com as suas atividades e ideias, no uso prático, elas se tornaram exatamente isso, «epístolas». Já as epístolas de Tiago e aos Hebreus, em contraste, sem dúvida foram escritas como verdadeiras «epístolas», desde o inicio, e não como cartas pessoais.
Porquanto as epístolas de Paulo foram escritas a fim de dar resposta a problemas específicos; não encontramos ali a discussão sobre muitos dos problemas, especialmente aqueles de natureza ética, que talvez nos preocupem hodiernamente, ou mesmo sobre muitas das questões doutrinárias sobre as quais nos sentimos curiosos hoje em dia. A despeito dessa dificuldade, os princípios básicos ali ensinados são tão numerosos e latos em seu escopo que nos fornecem alguma luz sobre a grande maioria dos problemas que perturbam hoje em dia o movimento cristão, especialmente em sua seção evangélica.
Oferecemos abaixo um arranjo sugerido das epistolas de Paulo, com suas supostas datas:
1.   Gálatas (49 D.C.). Foi escrita após a «visita da fome» (ver Atos 11:27), mas antes do concílio de Jerusalém (ver Atos 15). Versa sobre problemas com o legalismo: como unir judeus e gentios, formando uma só comunidade, na igreja cristã. Relações entre Moisés e Cristo. Provavelmente foi enviada de Corinto.
I e II Tessalonicenses (50—51 D.C.). Versam sobre problemas de escatologia. Segundo advento de Cristo. Correção de conceitos errôneos. Provavelmente foram escritas em Corinto, pouco depois de Paulo ter saído de Tessalônica. (Ver Atos 16 e 17).
2.   I e II Cor. (54-57 D.C.). Escritas durante o período de permanência de Paulo em Êfeso. (Ver Atos 20 e I Cor. 16:5-8).
Romanos (54-57 D.C.). Escrita de Corinto, provavelmente na terceira visita feita ali. (Ver II Cor. 13:1; após Atos 18). Versa sobre a delineação da doutrina cristã: justificação pela fé, transformação dos remidos segundo a imagem de Cristo. Problemas em uma igreja local mundana. Defesa paulina contra os judaizantes.
3.   Filipenses, Filemom, Colossenses, Efésios(Laodicenses, perdida), são as chamadas «epístolas da prisão», escritas em Roma em 61 D.C. em diante. Alguns estudiosos pensam que parte dessas epístolas tenha sido escrita em algum aprisionamento em Èfeao
ou Cesaréia, pelo que seriam de data bem anterior, associadas a Atos 19, ou 24 e 25, e-não a Atos 28 e ab período subsequente. Essa questão é discutida no artigo sobre cada uma dessas epistolas.
4.   I Timóteo, Tito e II Timóteo (65—68 D.C.). São as chamadas «epístolas da prisão». I Timóteo teria sido escrita antes do primeiro aprisionamento, em Roma. Tito, entre os dois aprisionamentos, II Timóteo durante o segundo aprisionamento. Quanto a comentários sobre os aprisionamentos de Paulo, aqui aceitos como dois, com um intervalo talvez de quatro anos de liberdade entre eles, (ver no NTI as notas expositivas sobre o fim de Atos). Essas notas versam sobre problemas eclesiásticos, principalmen­te. (Se porventura houve apenas um período de aprisionamento, que terminou com a execução de Paulo, então I Timóteo e Tito devem ter sido escritas antes do mesmo, ao passo que II Timóteo foi escrita durante esse único aprisionamento).
«…o estilo, mesmo no caso de um só indivíduo, varia de conformidade com a sua idade. A idade madura abranda a exuberância da juventude, bem como a veemência apaixonada da virilidade. Podemos ver o próprio Paulo, em suas epístolas, conduzindo-se de várias maneiras e com diferentes atitudes emocionais. Porém, por todas as fases em mutação, em sua vida e trabalho, transparece o mesmo homem extraordinário, que se gloriava em ser escravo de Jesus Cristo e apóstolo dos gentios. A paixão de Paulo é Cristo, e podemos mesmo sentir o pulsar do coração daquele principal entre os pecadores, que se tomou o principal entre os santos, em todas as suas epístolas. Há um resplendor e uma glória tipicamente paulinos em todas elas». (Robertson, na sua introdução às epístolas paulinas).

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