O Relato Bíblico da Criação


Outras nações tinham, como os hebreus, os seus relatos da origem do universo material, e da maneira pela qual o caos original foi transformado num cosmos ou num mundo habitável. Alguns desses relatos mostra, traços de similaridade com o registro bíblico, mas contém diferenças mais notáveis. Em geral são caracterizados por elementos dualistas ou politeístas, apresentam o mundo como resultado de uma feroz luta entre os deuses, e estão bem longe da simplicidade e sobriedade do relato bíblico. Talvez seja aconselhável antepor às nossas considerações dos seus pormenores algumas observações gerais.
1.    O PONTO DE VISTA DO QUAL A BÍBLIA CONTEMPLA A OBRA DA CRIAÇÃO. É significativo que a narrativa que a narrativa da criação, embora mencione a criação dos céus, não dá mais atenção ao mundo espiritual. Seu interesse é unicamente o mundo material, e o apresenta primordialmente como a habitação do homem e como o teatro das suas atividades. Ela não trata de realidades invisíveis, como os espíritos, mas de coisas que se vêem. E porque estas coisas são apalpáveis aos sentidos humanos, são objeto de discussão, não somente da teologia, mas também doutras ciências e da filosofia. Mas, enquanto a filosofia procura entender a origem e natureza de todas as coisas pela luz da razão, a teologia toma o seu ponto de partida em Deus, deixa-se guiar por Sua revelação especial concernente à obra da criação, e pondera todas as coisas relacionando-as com Ele. A narrativa da criação é o começo da auto-revelação de Deus, e nos põe a par da relação fundamental em que tudo, o homem inclusive, está com Ele. Ela mostra enfaticamente a posição originária do homem, para que os homens de todas as eras possam ter adequada compreensão do restante da Escritura como revelação da redenção. Apesar de não pretender dar-nos uma completa cosmologia filosófica, contém elementos importantes para a elaboração de uma cosmogonia correta.

A maior diferença acha-se, porém, nas concepções religiosas de ambos os relatos. O relato babilônico, diversamente do da Escritura, é mitológico e politeísta. Os deuses não estão em alto nível, mas planejam, conspiram e brigam. E Marduck consegue, somente depois de prolongada luta, que põe à prova o seu poder, dominar as forças malignas e reduzir à ordem o caos. Em Gênesis, por outro lado, encontramos o mais sublime monoteísmo, e vemos Deus produzir o universo e todas as coisas criadas pela simples palavra do Seu poder. Quando foi descoberto o relato babilónico, muitos estudiosos logo supuseram que a narrativa bíblica provinha da fonte babilónica, esquecidos de que existem pelo menos outras duas possibilidades, a saber: (a) que a estória babilónica é uma reprodução pervertida da narrativa de Gênesis; ou (b) que ambas provêm de uma fonte comum, mas primitiva. Mas, seja qual for a resposta a esta questão, não resolverá o problema da origem da narrativa. Como é que a fonte original, escrita ou oral, veio a existência? Alguns a consideram simples produto da reflexão do homem sobre a origem das coisas. Mas esta explicação é extremamente improvável, em vista dos seguintes fatos: (a) a idéia da criação é incompreensível; (b) a ciência e a filosofia opõem-se igualmente à doutrina da criação do nado; e (c) é somente pela fé que entendemos que os mundos foram estruturados pela palavra de Deus, Hb 11.3. Portanto, chegamos à conclusão de que a história da criação foi revelada a Moisés ou a um dos patriarcas anteriores. Se esta revelação foi pré-mosaica, passou como tradição (oral ou escrita) de geração a geração, provavelmente perdeu algo da sua pureza original e, finalmente, foi incorporada, em forma pura, sob a direção do Espírito Santo, no primeiro livro da Bíblia.

Nenhum comentário: