Observações Gerais Sob o Evangelho de João


Chamamos os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas de evangelhos sinópticos, não porque encontramos neles uma boa sinopse da vida e dos ensinamentos de Jesus Cristo, em contraste com o que se pode observar no evangelho de João, mas por causa do fato de concordarem entre si, porquanto vêem juntos, em contraste com o material apresentado pelo evangelho de João, que consiste em menos de dez por cento daquilo que é apresentado pelos demais evangelhos. Assim sendo, posto que de forma alguma os registros do evangelho de João podem ser colocados em colunas paralelas com os registros dos demais evangelistas, visto que não «vê as coisas juntamente com eles», João não é reputado como um evangelho sinóptico. Mais de noventa por cento desse material fica fora da tradição dos evangelhos sinópticos, e bastaria esse fato para tornar impossível qualquer tentativa de fazer a harmonia entre os quatro evangelhos dos quais dispomos.
Desde os tempos mais remotos do cristianismo se tem reconhecido que o evangelho de João é distinto dos demais, por se ter fundamentado em fontes informativas diferentes. Os primeiros pais da igreja reconheceram esse fato tão claramente quanto o reconhecemos, e vemos que Clemente de Alexandria (ca. de 200 D.C.) dizia:
«Mas que João, em último lugar, consciente que os fatos corporais (isto é, externos) haviam sido revelados nos evangelhos, com o que ele tinha em mente os evangelhos de Mateus, Lucas e Marcos, sobre os quais vinha falando, foi encorajado, pelos seus conhecidos, e sob a inspiração do Espirito Santo, a escrever um evangelho espiritual». (Citado da obraHipóteses, de Eusébio, em Hist. Eccl. Vi. 14,7).
Embora a questão da autoria deste evangelho de João continui sendo assunto extremamente debatido (ver o item seguinte), uma coisa é certa: seu autor foi um homem profundamente religioso, místico por natureza, que mantinha real comunicação com o Cristo a respeito de quem ele escreveu; e, apesar do retrato falado que faz dele ser radicalmente diferente dos evangelhos sinópticos, é óbvio que ele cria que esse Cristo transcendental fosse o Jesus da história. Para que possamos compreender o evangelho de João, é mister jamais olvidarmos que apesar dele descrever aquele que a igreja cristã aceitava como salvador do mundo, para ele, esse salvador não podia estar confinado dentro dos estreitos limites da Palestina do primeiro século da era cristã, ou mesmo do mundo greto-romano daquela época, ou mesmo, meramente, dos estreitos limites de uma vida terrena, posto ser ele o Salvador eterno de todos aqueles que o têm conhecido e amado, significação essa que se estende a todos os séculos e, na realidade, até à própria eternidade.

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