É errado pensar que o povo de Deus não alimentava nenhuma esperança celestial nos tempos do at. Gênesis 5.24 registra que Enoque, depois de uma vida piedosa, foi arrebatado (lāqaḥ) por Deus — uma clara implicação de que a partir de então ele entrou na presença do Senhor. (Hb 11.5 confirma isso: “Pela fé Enoque foi arrebatado, de modo que não experimentou a morte; ‘e já não foi encontrado, porque Deus o havia arrebatado’, pois antes de ser arrebatado recebeu testemunho de que tinha agradado a Deus”. Portanto, Enoque não morreu, mas subiu direto à presença do Senhor).
A despeito de seu desânimo profundo, o patriarca Jó demonstrou confiança quando afirmou: “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra. E depois que o meu corpo estiver destruído [deste ponto vantajoso] e sem carne, verei a Deus [há pouco mencionado como redentor de Jó (gō’ēl) no v. 25]” (Jó 19. 25, 26). (A tradução “em minha carne verei” (ra) contraria o emprego usual da preposição min ["de"] em todas as passagens do at em que vem ao lado do verbo “ver”, seja ḥāzāh, o que é usado aqui, seja o mais comum rā’āh. Em todas as passagens, min diz respeito a uma posição vantajosa de onde a pessoa olha.)
Em Salmos, Davi apresenta muitas promessas de uma vida futura com Deus. Até mesmo a assertiva do salmo 1.5, segundo a qual os homens ímpios, os pecadores, “não resistirão [...] na comunidade dos justos”, implica um julgamento final que determinará a condenação ou a salvação, isto é, absolvição e aceitação — termos que nenhum sentido teriam se a única coisa que sobrasse depois do término dessa vida terrena fossem esqueletos embolorados. Salmos 16.10 menciona a esperança da ressurreição física (claramente aplicada à de Cristo em At 2.27, 31), seguida de uma afirmação forte: “Na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Sl 16.11, ra). “Perpetuamente” aqui é neṣaḥ,termo que dificilmente poderia ser mostrado noutra passagem com o mero sentido de “pelo resto de minha vida terrena”; antes, sugere com clareza a permanência depois da sepultura. Salmos 49.15 diz: “Mas Deus redimirá a minha vida da sepultura e me levará para si [lāqaḥ, 'me levará embora']“. Isso ressoa como certeza de que o Senhor não irá simplesmente livrá-lo de uma morte prematura, mas que o salmista viverá eternamente com Deus — em contraste com o louco espiritual, ou perverso, cuja habitação final será o Sheol (v. 10-14). Uma confiança semelhante está expressa em Salmos 73.24: “Tu me diriges com o teu conselho, e depois [’aḥar] me receberás [lāqaḥ] com honras”.
Lendo os livros proféticos, descobrimos que Isaías tem uma passagem notável sobre esse tema: “Destruirá a morte para sempre. O Soberano, o Senhor, enxugará as lágrimas de todo rosto e retirará de toda a terra a zombaria do seu povo. Foi o Senhor quem o disse!” (Is 25.8). E depois, em Isaías 26.19: “Mas os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão. Vocês, que voltaram ao pó, acordem e cantem de alegria. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos”. Compare-se essa passagem com Daniel 12.2: “Multidões que dormem no pó da terra acordarão: uns para a vida eterna, outros para a vergonha, para o desprezo eterno”, que Jesus citou em Mateus 25.46, num contexto sobre a vida após a morte. Daniel 12.13 contém esta promessa bendita ao próprio profeta, pessoalmente: “…Você descansará e, então, no final dos dias, você se levantará para receber a herança que lhe cabe”.
Não pode haver a menor dúvida, à luz das passagens acima, de que o at contém ensino bem definido a respeito da vida do crente depois da morte; ele estará sob os cuidados — e na presença — do próprio Deus.
Também o nt é bastante claro quando Cristo afirma que Abraão alegrou-se ao ver o dia da vinda de Jesus à terra (Jo 8.56) e quando se diz que o patriarca procurava uma cidade celestial “cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11.10). Mas é preciso acrescentar que, excetuando-se alguns casos, como Enoque e Elias, com certeza a grande congregação dos redimidos não seria exaltada à glória total e suprema da presença de Deus enquanto não fosse pago o preço de sua redenção no Calvário (v. Mt 27.52; Ef 4.8; Hb 11.39, 40). Portanto, seria mais apropriado que as descrições minuciosas e mais belas da alegria dos salvos na glória de Deus ficassem reservadas para o nt.
Nenhum comentário:
Postar um comentário