A Doutrina da Trindade na História


A doutrina da trindade sempre enfrentou dificuldades e, portanto, não é de admirar que a
igreja, em seus esforços para formulá-la, tenha sido repetidamente tentada a racionaliza-la e a
dar-lhe uma construção que deixava de fazer justiça aos dados da Escritura.

1. PERÍODO DA PRÉ-REFORMA. Os judeus do tempo de Jesus davam muita ênfase à
unidade de Deus, e esta ênfase foi trazida para dentro da igreja cristã. O resultado foi que alguns
eliminaram completamente as distinções pessoais da Divindade, e que outros não fizeram plena
justiça à divindade essencial da segunda e da terceira pessoas da Trindade Santa. Tertuliano foi o
primeiro a empregar o termo “Trindade” e a formular a doutrina, mas a sua formulação foi
deficiente, desde que envolvia uma infundada subordinação do Filho ao Pai. Orígenes foi mais
longe nesta direção, ensinando explicitamente que o Filho é subordinado ao Pai quanto à
essência, e que o Espírito Santo é subordinado até mesmo ao Filho. Ele desacreditou a divindade
essencial destas duas pessoas do Ser Divino e forneceu um ponto de partida aos arianos, que
negavam a divindade do Filho e do espírito Santo, apresentando o Filho como a primeira criatura
do Pai, e o Espírito Santo como a primeira criatura do Filho. Assim, a consubstancialidade do Filho
e do Espírito Santo com o Pai foi sacrificada, com o fim de preservar a unidade; e, segundo esse
conceito, as três pessoas da Divindade diferem em grau de dignidade. Os arianos ainda
conservaram resquícios da doutrina das três pessoas da Divindade, mas esta foi inteiramente
sacrificada pelo monarquianismo, em parte no interesse da unidade de Deus e em parte para
manter a divindade do Filho. O monarquianismo dinâmico via em Jesus apenas homem e no
espírito Santo uma influencia divina, enquanto que o monarquianismo modalista considerava o
Pai, o Filho e o Espírito Santo meramente como três modos de manifestação assumidos
sucessivamente pela Divindade. Por outro lado, também houve alguns que a tal ponto perderam
de vista a unidade de Deus, que acabaram no triteísmo. Alguns dos monofisistas mais recentes,
como João Ascunages e João Philopono, caíram neste erro. Durante a Idade Média, o nominalista
Roscelino foi acusado do mesmo erro. A igreja começou a formular a sua doutrina da Trindade no
século quarto. O Concílio de Nicéia (325 A.D.) declarou que o Filho é co-essencial com o Pai,
enquanto que o Concílio de Constantinopla (381 A.D.) afirmou a divindade do Espírito, embora
não com a mesma precisão. Quanto à interrelação dos três, foi oficialmente declarado que o Filho
é gerado pelo Pai, e que o Espírito procede do Pai e do Filho. No Oriente, a doutrina da Trindade
encontrou a sua proposição mais completa na obra de João de Damasco, e no Ocidente, na
grande obra de Agostinho, De Trinitate. A primeira ainda retém um elemento de subordinação,
inteiramente eliminado pela segunda.

2. PERÍODO DA PÓS-REFORMA. Depois da Reforma não temos maior desenvolvimento da
doutrina da Trindade, mas o que encontramos repetidamente são algumas das errôneas
formulações antigas. Os arminianos, Episcópio, Curceleu e Limborgh reavivaram a doutrina da
subordinação, outra vez, ao que parece, principalmente para defender a unidade da Trindade.
Eles atribuíram ao Pai uma certa preeminência sobre as outras pessoas – em ordem, dignidade e
poder. Posição um tanto parecida foi tomada por Samuel Clarke, na Inglaterra, e pelo teólogo
luterano Kahnis. Outros seguiram o caminho indicado por Sabélio, ensinando uma espécie de
modalismo, como, por exemplo, Emanuel Swedenborg, que sustentava que o eterno Deus-
homem fez-se carne no Filho, e agia através do Espírito Santo; Hegel, que fala do Pai como Deus
em Si, do Filho como Deus se objetivando, e do Espírito como Deus retornando a Si mesmo; e
Schleiermacher, que considera as três pessoas simplesmente como três aspectos de Deus: o Pai
é Deus como a subjacente unidade de todas as coisas, o Filho é Deus como passando a uma
personalidade consciente no homem, e o Espírito Santo é Deus vivendo ma igreja. Os socinianos
da época da reforma seguiam as linhas arianas, mas foram além de Ário, pois para eles Cristo era
simples homem e o Espírito Santo apenas um poder ou influencia. Eles foram os precursores dos
unitários e também dos teólogos modernistas, que falam de Jesus como um mestre divino e
identificam o Espírito Santo com o Deus imanente. Finalmente, também houve alguns que, como
consideravam ininteligível a afirmação da doutrina de uma Trindade ontológica, queriam livrar-se
dela e se satisfizeram com a doutrina de uma Trindade econômica, uma Trindade como se vê
revelada na obra de redenção e na experiência humana. Exemplos de defensores desta idéia são
Moses Stuart, W. L. Alexander e W. A. Brown. Durante um considerável período de tempo,
declinou o interesse pela doutrina da Trindade, e a discussão teológica centralizou-se mais
particularmente na personalidade de Deus. Brunner e Barth chamaram de novo a atenção para a
sua importância. Este último a coloca em primeiro plano, discutindo-a em conexão com a doutrina
da revelação, e lhe dedica 220 páginas da sua Dogmática. Materialmente, ele deriva da Escritura
a doutrina, mas formal e logicamente, acha que ela está envolvida na simples sentença, “Deus
fala”. Ele é Revelador (Pai), Revelação (Filho) e Revelatura∗ (Espírito Santo). Ele se revela, é a
Revelação e é também o conteúdo da Revelação. Deus e Sua revelação se identificam. Em Sua
revelação Ele continua sendo Deus, absolutamente livre e soberano. Esta idéia de Barth não é
uma espécie de sabelianismo, pois ele reconhece três pessoas na Divindade. Além disso, ele não
admite nenhuma subordinação. Diz ele: “Assim, ao mesmo Deus que, em unidade incólume, é
Revelador, Revelação e Revelatura, também se atribui, em Sua variedade incólume, precisamente
este modo tríplice de existência”.